Um pedaço considerável deste último final de semana gastei assistindo a nova versão do filme de 2017, Liga da Justiça. Alias, chamar de nova versão é um tanto injusto, afinal é a versão que originalmente foi idealizado pelo diretor Zack Snyder, que cuidou da produção do filme até precisar se ausentar, devido a morte de sua filha, deixando para que Joss Whedon fizesse o que… bem… o que ele acabou fazendo em 2017, e que basicamente acabou com os futuros planos dos futuros filmes do universo DC nos cinemas. Foi um desastre. Mas essa história todo mundo está careca de saber.
O tempo tende a curar feridas e diante de indas e vindas, de fãs pedindo, atores pedindo, Zack Snyder pedindo, todo mundo pedindo (exceto os haters talvez), a Warner decidiu deixar o Snyder fazer o que bem entendesse com todo o material que ele produziu para o filme e lhe concedeu poderes para fazer o filme que ele sempre quis, com as cenas que quisesses, com o enquadramento que bem entendesse, com os filtros cinzentos que desejasse e com o tempo que precisasse para tudo isso acontecer. O único revés é que essa versão turbinada não iria para o cinema (apesar de ter toda pinta de que ficaria incrível nas telonas… porém na era da pandemia, nem pensar), e sua estreia aconteceria exclusivamente no serviço de streaming da Warner, o HBO Max, que ainda não chegou ao Brasil (vem logo junho!), mas que em nosso território foi liberado para poder ser alugado digitalmente nas inúmeras plataformas que temos por aqui. A estreia ocorreu semana passado e assim a Liga da Justiça de Zack Snyder está entre nós!
Antes de dar sequência um breve parênteses, pois faz um bom tempo que não faço um texto de opinião/crítica sobre um filme. Além de estar claramente enferrujado, também é importante apontar que não sou nenhum crítico, especialista ou acadêmico do mundo da sétima arte. Esta é apenas uma opinião de um entusiasta, uma pessoa normal, fã da DC e empolgada com esta tão aguardado versão. Quer a opinião de alguém que entende muito sobre cinema? Eu adoro o canal do PH Santos no YouTube – ainda que nem sempre eu concorde com ele. Fica aqui a recomendação, beleza?
Esta é a versão que eu queria ter visto em 2017
Esta é basicamente uma boa forma de começar o texto. Sim, sei que muita gente vai dizer que essa versão de 4 horas jamais aconteceria no cinema e não vou discordar. Há de fato uma certa lentidão narrativa em diversos momentos desta Liga do Snyder, mas penso que isso ocorre devido justamente ao formato escolhido para este lançamento. Sendo um filme direto para o streaming, quanto tempo ele vai durar é completamente irrelevante.
No cinema você está comprometido em ver a obra até o final, de uma vez só. Não tem como você ficar cansado, ir embora e dizer ao lanterninha “volto amanhã para terminar, beleza?“. Não dá, é uma outra experiência. E estamos acostumados com a experiência cinematográfica de 2/3 horas em média. Porém o mais legal aqui é que Zack Snyder não fez esta Liga da Justiça, aqui, em 2021, com todos os poderes recebidos, para ser exatamente uma experiência para uma sala de cinema. Ele fez para o conforto do lar. Para você ficar confortavelmente no seu sofá.
É por isso que o filme é segmentado em partes, seis para se exato, promovendo assim momentos em que você pode decidir pausar para continuar em um outro momento. Eu, por exemplo, precisei pausar após quatro partes. Comecei a ver muito tarde da noite e quando vi que das 4 horas, ainda estava com apenas 2 horas e meia de filme, já virando a madrugada, decidi ir dormir e terminar na manhã do dia seguindo, já com um belo café da manhã em mãos. Uma agradável decisão.
Ah, mas é longo, tem partes desnecessárias e blá blá blá. Sim, também achei isso, mas vou dizer que não me incomodou. Não é uma experiência muito diferente com seriados a qual acompanhamos de 6 a 22 episódios, a depender da série. Todo mundo não pirou recentemente com Wandavision que durou 9 episódios e que poderia ter sido resumido em um filme solo de 2 horas e meia? Talvez você não queria admitir, mas isso poderia ter sido feito. Tempo é relativo. Se está divertido, não está me incomodando. Seja um filme de 4 horas, seja uma série de 22 episódios (algo que muita gente já não aguenta hoje em dia).
Enfim, é um filme de 4 horas, que lhe dá a possibilidade de parar em certos pontos. Vai da decisão de cada um. De toda forma, é um filme que vale muito à pena assistir. Se você estava querendo saber minha opinião sem spoilers, este é o ponto final. Daqui em diante não irei me segurar.
Zona de Spoilers
Por que gostei mais desta Liga da Justiça do que aquela versão com filtros de cores saturadas de 2017? Basicamente porque é uma versão que tem um melhor contexto narrativo, que trabalha com os personagens na dignidade que eles merecem ser trabalhados. Bem, talvez não o Aquaman… ainda sigo achando a construção do personagem meio vaga aqui, mas o filme solo do personagem é legal, vá ver.
Mas assim, se Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) já foi um filme que trabalhou muito bem com a grande trindade da DC (Batman, Superman e Mulher Maravilha), esta versão do Snyder da Liga precisava expandir esse universo trazendo novos heróis com a mesma intensidade de peso. E esta versão consegue finalmente apresentar isso: as subtramas de Ciborgue e Flash são parte do coração do filme e que jamais deveriam ter sido cortados da versão de 2017. Depois de ver o incrível trabalho do ator Ray Fisher aqui como Ciborgue, acho uma imensa injustiça seu filme ter sido cancelado. O Ciborgue de Snyder é fantástico.
Mais ainda do que Ciborgue, o Flash é um dos heróis que rouba a cena no filme. Este é um dos meus personagens favoritos no mundo da DC, porque é o personagem muito imprevisível, a qual os roteiristas podem virar o mundo de pernas por ar e explorarem muito a ficção científica. Ver Barry Allen explicando ao Batman que ele não é apenas rápido, mas é algo além disso é incrível. Vê-lo no final do filme voltando no tempo, impedindo o apocalipse global, é fantástico. E isso é muito a cara do Flash fazer. Ele talvez possa não ser um Deus como Superman ou a Mulher Maravilha, mas certamente seus poderes são grandiosos nesse mesmo sentido.
E pensar que na versão de 2017 o Barry perde um tempão empurrando uma caminhonete de uma família sem noção que está lá, no meio da confusão de uma batalha de Deuses. Aff. Gosto muito mais em como essa versão já deixa claro que não tem humanos lá onde o Lobo da Estepe decide criar seu covil. É uma área tóxica do planeta, meio como Chernobyl e não tem ninguém ali. Excelente. Caso contrário seria terrível ver o Ciborgue derrubando prédios atrás de prédios. É um ambiente deserto, perfeito. Já termos o filme dos Vingadores contra o Ultron (na Marvel) com uma cidade sendo engolida e heróis precisando parar o que estão fazendo para salvar gente indefesa. Aqui a história é outra.
Outro elemento da nova versão que repercutiu um pouco nas discussões que tive com o grupo do site no Whats App diz respeito a decisão da Diana de decapitar a cabeça do Lobo antes de mandá-lo para dentro do portal para cair aos pés de Darkseid. Teve quem não curtiu, alegando que uma herói não deveria fazer isso. Já eu não tenho problema nenhum com isso, afinal o cara provocou a Diana, que não até então não sabia do estado da ilha das amazonas, e apenas sabia que o cara tinha causado uma carnificina lá. Fora que, nada melhor do que mandar um recado ao próprio Darkseid, que já havia tentado invadir o planeta no passado. Aqui o que vai acontecer com você se vier pra cá, vagabundo. Tá certo Diana.
Aí tem aquela discussão sobre a ideologia dos heróis da DC. Herói não faz isso, mimimi. Da mesma forma como se revoltaram com o Batman com uma espingarda no filme em que ele pergunta se o Superman sangra. Entendo, mas relevo. Pra mim, que li por muitos anos os quadrinhos destes personagens, bem mais do que li Marvel, diga-se de passagem, sempre vi estas figuras dita como heróis, sempre com aquele pé de que na DC estas figuras se assemelham a grandes Deuses. Estão sempre um nível acima da humanidade, ainda que vivam entre a gente. Seus poderes são quase que de divindades, e muitos de seus vilões fazem exatamente jus a isso. E quando isso ocorre, existe uma moralidade um pouquinho ascendente do padrão humano. Claro, nem sempre, nem em toda história, nem em todo arco. Mas quando necessário, a DC não ter o menor pudor de chamar seus heróis de Deuses, e aqui, na visão do Snyder, é exatamente o que acontece.
Outro ponto a se discutir: a necessidade do epílogo ao final do filme que apresenta ganchos para uma sequência que sabemos que não existe e que os fãs terão que berrar muito para conseguir, por mais improvável que seja. Eu gosto da ideia do epílogo. Afinal o filme deixa muito claro que a história não terminou. Adoro a conexão que ele faz do futuro apocalíptico, com o Batman visto no filme anterior, com o Superman corrompido pelo mal. Digno dos eventos lá de Injustice (jogo do criador de Mortal Kombat) e que ficou muito famoso justamente por apresentar tal proposta de um Superman ditador após a morte da Lois Lane. E colocar a culpa do Batman nisso é muito cruel, e portanto genial.
Chamar o Jared Leto para reprisar o papel de Coringa é também uma excelente jogada, dando total direito do ator de se redimir de uma versão nada agradável que vimos em Esquadrão Suicida. Vai me dizer que o Coringa desse mundo devastado não ficou maneiro? Claro que ficou. A risada do Jared continua sendo muito boa. Todo o diálogo dele com o Batman ali ficou inacreditável, tantas informações, tantas possibilidades. Alias, falando em futuro, eu adoro a frase que a nave do Superman diz quando o Flash toca na caixa materna: “o futuro acaba de criar raízes no presente”. Que frase totalmente arco de quadrinhos! O fim do mundo está a caminho e todos vocês são responsáveis! É muito maneiro.
Enfim, para não tornar o texto excessivamente longo, apesar de já estar além do que havia planejado, acredito mesmo que Zack Snyder entendeu estes personagens da forma como muitos veem a DC Comics. Agradar a todo mundo é algo impossível e os reclamões de plantão sempre existirão. Entretanto posso dizer que estou imensamente feliz com essa versão. Nunca mais quero rever aquela coisa horrorosa de 2017, com cores saturadas, com cortes capados em importantes personagens, enquadramentos questionáveis com a Mulher Maravilha, família precisando que o Flash de carona no final do filme e o Batman Uber chegando com a Lois Lane para segurar o Superman. Argh!
Só para encerrar em um clima legal, que tal mais algumas coisas legais da nova versão? A cena do Barry com a Iris West, a forma como vidro se quebra, e como toda cena acontece. A aparição do Caçador de Marte, ainda que com um CGI bem ruim, sua inserção no filme funciona. A Diana com Alfred, com ele ensinando ela como fazer o chão. A cena do assalto ao banco, também com a Mulher Maravilha também ficou bem mais harcore, que combina com a proposta do filme, ainda que mais uma vez possa se questionar a forma mais mortal como um personagem herói deve agir. O Superman com o uniforme negro, porque sim, apenas isso. Muito mais coerente com o momento em que o personagem se encontra.
Dá para dizer que a Liga da Justiça do Zack Snyder não é um filme perfeito. Mas diante da mesmice que são os filmes da Marvel atualmente (o que me irrita um pouco), ter algo diferente é muito agradável, com polêmicas aqui ou ali, o que também é legal porque acaba sempre criando essa discussão moral na internet e nos bate papo com os amigos. Vale a pena correr atrás e assistir. Posso afirmar que não é o fiasco daquele mesmo filme de 2017. Minha opinião, é claro.