Faz cinco anos desde que escrevi minhas considerações a respeito do fim da serialização do mangá Bleach, após 686 capítulos. Me recordo de ter ficado bem chateado na época com o que Tite Kubo fez para terminar esse universo a qual acompanhei fervorosamente por anos, às vezes achando máximo, outras vezes raivoso com capítulos curtos, sem cenários, cujo a leitura não levava sequer 5 minutos. Havia altos e baixos, mas me mantive fiel por toda essa jornada, e admito: tenho mais recordações agradáveis do que desagradáveis.
O tempo passou. O animê terminou sem o arco final do mangá (algo prometido para este ano, mas que ainda não rolou), veio o One-Shot de Burn the Witch em um universo compartilhado, depois a promessa de uma serialização atípica deste spin-off e agora, celebrando 20 anos do mangá, o autor promete um novo arco inteirinho de Bleach, continuando exatamente de onde o mangá, encerrado em 2016, havia terminado. A começar por um novo One-Shot, de mais de 70 páginas, intitulado No Breathes From Hell, objeto de prosa desta postagem.
A volta do que nunca foi
Mas vamos lá. Sendo bem direto, Bleach de fato nunca acabou. É exatamente isso que este novo One-Shot parece gritar. Tipo “oh, sabe aquele final de 2016… bem, aquilo só encerrava um breve momento desse universo. Não é um final definitivo, saca?“. E na boa, não era nem um pouco difícil de imaginar isso. O que só justifica a minha insatisfação lá de 2016 quando não achei satisfatório o final da série.
Bleach encerrou de uma forma muito parecido como o mangá do Naruto, apresentando os protagonistas um pouco mais adultos, dizendo quem ficou com quem, e apresentando seus filhos e uma nova geração de elementos que poderiam ou não vir a ser explorados. Com Naruto, o autor original, Masashi Kishimoto, passou o bastão para uma nova equipe, que passou a trabalhar nas histórias e no mangá de Boruto (até que recentemente o próprio Kishimoto meio que veio e pegou pra si a obra – “dá que o filho do filho é meu“.
Aliás, Dragon Ball Super também tem esse sentimento de bastão passado, já que o universo retorno após anos de hiato, também comandado por outro artista, ainda que supervisionado pelo próprio Akira Toriyama. Contudo, parece que essa mesma oferta não foi feita ao Tite Kubo e o legado de Bleach. Até o momento. Ou talvez até foi feito uma proposta, e o autor se recusou a deixar sua obra na mão de outra pessoa. Não tem como saber. Até porque Bleach já não vivia seus melhores momentos quando o mangá terminou em 2016, sendo que o animê morreu muito antes, lá em 2012.
Dá para dizer que Bleach terminou porque tinha que terminar. Ninguém mais aguentava o vai e não vai da série. O ápice de sua história foi a batalha contra Aizen e tudo que veio depois disso foi uma costura mal planejada de coisas que a série não havia explorado ou consequências mal planejadas de pontas narrativas. Lembra quando o Ichigo perdeu totalmente seus os poderes de shinigami e veio uma galera bizarra fazer ele lutar contra bichos de pelúcia? Eu ainda me lembro disso. Argh! Pra quê?! A gente sabia que os poderes dele iriam voltar!
Só que a gente queria saber mais! O diabos da tal chave do Rei, a bankai do Zaraki e tantos outros mistérios desse universo. A história da mãe do Ichigo, o passado de seus pais. Eram elementos legais, convenhamos. Por sinal, os pais do Ichigo, estes sim mereciam um One-shot com algumas destas aventuras antigas da Soul Society. Um spin-off desses tempos seria maneiro, vai.
O tempo cura tudo
Mas o tempo passou e a lacuna deixa por Bleach nunca foi exatamente preenchida por mais nada. Quer dizer… Jujutsu Kaizen, a qual passei a ver o animê este ano, e que agora já estou com todos os volumes lançados pela Panini aqui na pilha de leitura na minha mesa, é tão maneiro quanto Bleach foi em seus anos gloriosos. Se bobear até mais, porém ainda é muito cedo para dizer isso. O mérito de um estúdio de animação de alta competência ajuda muito nesses casos.
O que quero dizer é que Bleach, assim como Naruto e One Piece, foram uma santa trindade do entretenimento semanal por mais de duas décadas para muitos fãs. Entretenimento ininterrupto. Não temos muitas mangás ou animês nesse sentido hoje em dia. Os tempos muraram e aquelas temporadas inteiras de fillers para o animê não alcançar o mangá não existe mais. Os animês chegam por temporadas menores, ficam em hiato por meses, e se der, retornam, e nem sempre com a mesma qualidade, diga-se de passagem. Attack on Titan é um bom exemplo disso, apesar de que tenho tido uma péssima impressão também dessa 5ª temporada de My Hero Academia, com uma narrativa lenta, sem ritmo. Enquanto Naruto e One Piece seguem firme e fortes em seus universo, semanalmente na telinha, nenhum outro mangá conseguiu ocupar a lacuna deixa por Bleach, de uma forma duradoura. Claro que Demon Slayer é uma loucura, mas você sabe que metade dele já foi animado, certo? E o mangá já acabou. One Punch-Man? O mangá está insano, mas lento. E vamos esquecer daquela joça da segunda temporada animada? Acho melhor.
O que estou tentando dizer é que sinto saudades de Bleach. Talvez pela falta de outra coisa para ocupar essa lacuna, mas ainda assim o universo da série dá sim uma certa saudade. Descobri isso lendo esse novo One-Shot e revendo estes personagens queridos, que passaram mais de uma década e meia ao meu lado, semanalmente. Apelo à nostalgia? Ora, por que não? Se houve um certo ressentimento lá atrás sobre como foi a despedida desse universo, não posso olhar com rancor agora que ela está abrindo as portas novamente para mais um novo conto. O tempo cura mágoas.
IMPORTANTE: a partir deste ponto haverá spoilers tanto do final do mangá de Bleach (cuidado se você só viu o animê) e também do novo One-Shot recém publicado no Japão – e ainda sem previsão de ser encadernado ou de chegar por aqui oficialmente traduzido. Imagino que quando este arco tiver capítulos o suficiente para serem encadernados em volumes, e estes saírem no Japão, eventualmente a Panini o traga para cá, como fez com a série original e Burn the Witch (que por enquanto só possui um único volume). Mas ei… tu quer dar aquela espiada, né? Eu sei.
Ainda é Bleach, sem reinventar nada
Sendo bem direto, No Breathes From Hell é Bleach em sua fórmula clássica. Nem mais, nem menos. Contudo acho curioso como o mangá anda de mãos dadas com o crescimento de seus leitores. Talvez não com todos, porém funciona muito bem comigo, por exemplo. Lá em 2016 meu filho estava completando 4 anos, e então sou apresentando a estes personagens, agora com seus respectivos filhos. O tal último capítulo, de número 686, não explora demais os filhos, apenas demonstra esse nova passagem da vida dos personagens, agora mais adultos.
Cinco anos depois, estou de volta a esse universo, e os filhos tem um papel muito mais importante no retorno da série. Estão mais independentes, assim como o meu, hoje com às vésperas de fazer 9 anos. Os personagens, estão mais velhos, ainda que não ache que isso transpareça demais. Talvez um pouco de receito do autor de mexer demais nas personalidades já consagradas? É possível. Ou talvez isso transpareça mais nos futuros capítulos, que sabe se lá quando sairão.
Contudo adorei ver o filho do Ichigo, Kazui, saindo de casa no meio da madrugada, já com poderes shinigamis, ajudando espíritos, e mais, com o divertido Kon de volta, todo atrapalhado e ainda sem moral nenhuma. Não é só mais uma criança aleatória no final de um mangá, mas um personagem que merece ser explorado. Qualé do Konami Code que o moleque faz lá no santuário? Pow, que maneiro ter esse tipo de mistério de volta, não acha? Além disso, se tem algo que o Kubo sempre fez bem, e dá uma marca singular ao trabalho dele em Bleach, são as frases filosóficas sobre a vida e morte. O diálogo sobre os peixes no começo, narrado pelo Kazui, é muito maneiro.
E do outro lado desse recomeço, temos a Ichaka, filha da Rukia, vivendo lá na Soul Society, fazendo o contra ponto com o mundo dos humanos. Muito similar a proposta original Ichigo vs Rukia. A guria é malandra, hiperativa e parece estar indo bem no treinamento de shinigami. Rever o Madarame nesse papel de mestre é engraçado e dá a energia certa para o mangá. Ele pode não configurar um papel tão importante em outros aspectos, contudo ainda é um personagem que dá uma vibe alegre a este universo.
Ainda sobre a Ichaka, acho muito maneiro essa ideia dela dar uma de penetra no mundo do humanos, para ver o Kazui, a qual claramente tem sentimentos, e é um fetiche vamos admitir, já que meio mundo da fanbase queria que o Ichigo se cassasse com a Rukia. E como isso não rolou, é justo que seus filhos cumpram tal desejo dos fãs. Entretanto me amarrei demais na cena dela vendo os tal hollows bizarros atrás da galera e ninguém ainda havia percebido eles. É esse tipo de tensão e apreensão que me fez gostar de Bleach e é muito bem que o Kubo ainda tenha as manhas de conseguir trazer isso à tona.
Bem, não é minha meta aqui esmiuçar detalhe por detalhe de todas as 70 páginas do One-Shot. E vou ser sincero, tem o nome de uma galera aí que não sei mais de cabeça para escrever. Dos novos personagens então, não quero nem pensar em ter que decorar. Mas eu gosto da renovação do elenco do núcleo da Soul Society. Fico triste lá pelo capitão doentinho (Ukitaki) ter morrido, porém gosto que haja elementos do novo arco que envolvam sua morte.
Também me agrada a modernização da Soul Society, graças ao retorno do Urahara para lá. Smartphones para chamadas em vídeo condiz nossa realidade atual, e é concebível dentro do contexto de que o Urahara consegue fazer de tudo. Alias o contraste desse embate com o bizarro capitão Kurotsuchi também faz sentido, com um sentimento bem Big Brother, dele poder vigiar todos os cantos da Soul Society. Na verdade descobri que sigo não gostando muito do Kurotsuchi, mas ele parece que ainda é bem popular.
O mangá ainda apresenta alguns outros personagens, e dá a entender que alguns ainda podem vir a ter um papel maior eventualmente, mas neste momento, não tenho muito o que opinar a respeito deles. Alguns lutam, tem poderes e visuais maneiros. Não tenho muito mais a descrever a respeito deles.
Contudo acho que o ponto supremo desse One Shot diz respeito ao elemento Inferno nesse universo. A qual posso estar enganado, mas tem um filme (a qual me retorno ter achado muito maneiro na época) que trabalha justamente esse elemento da série. Parece que é algo que aqui o Kubo resolveu expandir ou explorar melhor os conceitos. E gostei do que foi apresentado. E até faz sentido o que se fala. Se os shinigamis morrem, e a Soul Society é um lugar de almas, porque não os vemos novamente de volta as origens? Se bem que o Kubo meio que força demais algumas coisas. Se a reiatsu dos capitães é tão grande, a ponto de tê-las que mandar ao inferno… não poderia simplesmente as mandarem reencarnarem no plano humano? Faria muito mais sentido no ponto de equilíbrio entre mundos. Mas vou aceitar que é um regra escrota, feita pelos antigos governantes da Soul Society e que possivelmente Ichigo & cia talvez reescrevam. Justo certamente não é.
Enfim, é um capítulo de reintrodução ao universo com um resultado bem divertido. Explora e parece dar um peso interessante aos filhos, que são a próxima geração de protagonistas, arriscaria dizer. Também brinca bastante com os conceitos já consagrados do mangá, explorando pontos não muito bem explicados. Como o inferno, superstições, o ritual de passagem dos capitães que falecem e até mesmo o motivo das borboletas do inferno. Tudo amarradinho? Nem tanto. Mas divertido o suficiente para me deixar alegre que Bleach está de volta para mais uma história. Ainda que aparentemente sem qualquer compromisso com datas para os demais capítulos. Se for como Burn the Witch, em que logo se fará mais de um ano sem qualquer novo capítulo… talvez isso me lembre dos tempos em que passava raiva com Bleach. E realmente não é o que eu gostaria.
Quem diria que essa galinha poderia colocar mais ovos, não? Bem vindo de volta, ainda que momentaneamente, Ichigo e toda essa turma de nomes difíceis de decorar da Soul Society!