Análise | Silt

Disponível para PlayStation 4 e 5, Xbox One e Series, Nintendo Switch & PC

Silt é uma aventura que lhe coloca nas profundezas oceânicas de um enigmático mergulhador, em meio a incríveis criaturas, estranhas máquinas e certa habilidade de saltar de fora de seu corpo para adentrar na vida marinha ao seu redor. O título foi lançado em 1º de junho, para consoles e PC.

O jogo é um trabalho do estúdio Circus Spiral Games, localizado em Bristol, Inglaterra. Primeira obra do estúdio, fundado em 2018, com a intenção de criar jogos com foco em arte surreal – o que certamente acertaram com este primeiro lançamento. A distribuição global de Silt ficou a cargo da publisher Fireshine Games, que originalmente já foi conhecida como Sold Out.

Silt é uma aventura de exploração linear e solução de quebra-cabeças. O jogador controlará um pequeno mergulhador que possui a habilidade de controlar outros peixes, enquanto procura por quatro titãs marítimos que vagam por meio desse enigmático mar, cheio de segredos, estranhas construções e criaturas nem sempre amigáveis. Encontre os titãs, derrote-os e absorva seus olhos, e, por fim, sele seu destino.

Entendedores entenderão

Silt, que em uma tradução livre significa “lodo“, segue uma inspiração muito direta de jogos como Limbo e Inside, ambos desenvolvidos pelo estúdio Playdead. São obras que entregam narrativas abertas, sem muita contextualização de quem são seus protagonistas ou do que está acontecendo com o mundo ao redor. Até mesmo na direção de arte os títulos se parecem ao se optar por aventuras monocromáticas, utilizando apenas os tons de branco, preto e cinza para apresentar seus mundos.

São aventuras um tanto macabras, que trazem o perigo e a morte a cada segmento de gameplay, cabendo ao jogador ficar atento para não cair em armadilhas ou ataques de qualquer ameaça, pois qualquer dano é fatal. Não que morrer seja um problema, já que você retorna imediatamente do ponto em que morreu, sem qualquer penalidade pelo fracasso. Basta tentar novamente.

Em Silt você acorda dentro de um traje de mergulhador, com seu pé amarrado embaixo d’água, em um abismo oceânico, tão profundo que não dá para ver a superfície. Sequer fica claro que há um corpo humano dentro do traje. Tudo que o jogador sabe é que possui a habilidade de lançar uma aura brilhante pra fora do traje e possuir outros peixes ao redor. Possessão pura. É assim que você se solta da corda que lhe prende no fundo desse oceano, ao possuir um peixe piranha e roendo a corda que lhe prende.

Tudo que você sabe é o que um pequeno texto lhe diz antes da aventura começar: “profundezas infinitas“, “quatro titãs“, “extraia seus olhos, pois ali estão seus poderes“, “desperte uma máquina antiga” e “sele seu destino“. O jogo tem uma interpretação aberta sobre alguns de seus aspectos. Você está morto? Jogos assim sempre dão a entender que você está morto e está fazendo a passagem para outra vida, não? Talvez, não sei.

A brincadeira com o surreal vem ao longo da aventura, quando por exemplo, você encontra uma árvore embaixo d’água e precisa pegar uns vermes para alimentar o que seriam “pássaros” em seus ninhos. Há também uma enorme máquina que se abre sempre que um titã é derrotado, e que te carrega a uma nova área do jogo. E a biblioteca submersa, com estátuas de uma espécie de Deus Cervo?

Note que no começo, quando você acorda, ao sair de onde está, meio que sai da enorme boca de um peixe ora já morto aparentemente. Será que o mergulhador foi devorado? Não espere que o jogo lhe diga muita coisa. E a representação de outros mergulhadores que se absorve ao longo da aventura? Representam outras pessoas que morreram nesse oceano escuro? Não posso ir muito além, caso contrário acabaria questionando o próprio final dessa jornada, o que seria um spoiler. Melhor parar por aqui.

Feito estas ponderações, digo que não me incomoda esse tipo de liberdade interpretativa. Claro que mais algumas pistas seriam bem vindas. Limbo quando lançado, lá em 2010, também tinha um escopo bem simples de narrativa aberta, mas aí quando o estúdio apresentou Inside, em 2016, a complexidade, as pistas, todo o escopo era bem maior. Silt tem uma simplicidade muito parecido com Limbo nessa comparação. E tudo bem, dado que esta é a primeira obra da Circus Spiral. É um bom começo.

Embaixo d’água

Indo para outra direção, analisando os aspectos da jogabilidade e a experiência que o jogo oferece na interação em si, Silt entrega bons momentos, ainda que se apegue bastante em conceitos mais simples, sem inventar demais ou causar muita surpresa. Você se sente impressionado pelo mundo e tom sombrio da aventura, mas nunca pela jogabilidade.

O título ainda enfrenta um certo desafio: ser legal para quem odeia jogos com estágios aquáticos. Afinal a aventura ocorre inteiramente embaixo d’água. Nesse sentido pode esperar os elementos padrões desse tipo de ambiente, como uma movimentação mais lenta, enquanto o personagem pode “voar” pela tela do jogo.

Contudo, aqui faço alguns elogios, pois a movimentação flui muito bem, sendo bem fácil de controlar o personagem para qualquer direção. Inclusive tem um detalhe pequeninho que não afeta a jogabilidade, mas acho que é de toda atenção a esse tipo de situação, que ocorre quando seu personagem está nadando de ponta cabeça, por conta das idas e vindas do percurso: basta se manter na mesma direção que estiver indo para que ele automaticamente se endireite. É um detalhe pequeno, mas que acho legal o cuidado.

Algo parecido ocorre quando se está usando o recurso de possuir outros seres vivos. Um feixe de luz salta do escafandro do personagem, e o jogador controla esse feixe, que precisa ser direcionado até o peixe a qual irá possuir. Nem sempre é preciso exatamente ir com o feixe ao ponto do mesmo tocar o peixe, basta estar próximo o suficiente. Há um raio aceitável de entendimento do código do jogo, afim de entender o que você quer possuir. O que é uma mão na roda, tendo em vista que os peixes não ficam parados esperando você os possuir.

No geral, a experiência de Silt é explorar um ambiente linear, dentro dessa atmosfera monocromática e sombria, aprendendo como ir adiante na exploração, solucionando pequenos puzzles que normalmente envolvem abrir caminhos que aparentam estar fechados. Por exemplo, o peixe piranha pode morder e cortar pequenos cipós (embaixo d’água? talvez sejam cordas) que bloqueiam seu caminho.

Dentre a seleção de peixes, destaco outros dois: um pequeno cardume que pode ser usado para envenenar pequenas plantas carnívoras aquáticas e uma espécie de mini arraia que pode se teletransportar dois palmos a sua frente e com isso atravessar pequenas estruturas sólidas que bloqueiam seu caminho. Há também peixes elétricos e caranguejos que se mostraram bem úteis em certos momentos.

Dentre os puzzles presentes na aventura, boa parte deles consiste em realmente descobrir como desbloquear elementos que estão barrando sua passagem até um dos quatros chefes presentes no jogo. Para isso é essencial possuir os peixes dentro do ambiente do puzzle e descobrir o que fazer com eles, como abrir as passagens ou usá-los para interagir com o ambiente.

Ao chegar as batalhas contra os chefes, cada um terá uma forma de ser vencido, sendo necessário observar padrões de ataques e os tipos de peixes que tiver a disposição no ambiente. As vezes é preciso aguardar ataques, em outros fugir, as vezes atacar diretamente. São boas batalhas, ainda que nenhuma seja inteiramente complicada.

Ao longo da aventura o jogador poderá encontrar outros mergulhadores inanimados, podendo absorvê-los ao usar o poder da possessão neles. Soa como um colecionável, ainda que não haja nenhuma indicação de quantos são ou se faltou algum em algum lugar, ou sequer qual o propósito de absorvê-los. Contudo é uma ótima desculpa para dar uma olhada por aí, em alguns cantos dos cenários ou passagens meio secretas, e assim tentar entender mais desse mundo estranho.

Considerações finais

Silt é legitimamente a melhor definição de um jogo pequeno, de escopo independente. Sei que hoje em dia é normal qualificar qualquer jogo que não seja AAA como algo mais indie, mas isso certamente as vezes dificulta qualificar os verdadeiramente indies como tal. E este é o caso de Silt.

O jogo é uma aventura de duas, talvez três horinhas. Uma campanha single player, sem qualquer multiplayer. É um jogo que te leva a um mundo instigante, cria a imersão ali do momento, e pronto, cumpre seu papel. É uma experiência de um final de semana, que me remete aqueles tempos de locadora de jogos, quando alguns dias era o suficiente com certos títulos.

E seu preço é condizente com sua proposta, saindo por 29 reais no Steam. É justo pela experiência que o mesmo proporciona. Nos consoles você deve encontrá-los custando um pouco mais, então talvez aguardar uma promoção seja o mais indicado (a menos que isso não seja uma questão pra você na hora de adquirir um jogo). Fãs dos já mencionados Limbo e Inside vão curti-lo, ainda que não tenha uma complexidade e genialidade destas obras, o que talvez nem fosse essa sua pretensão.

Visualmente o jogo conquista seu objetivo, entregando um mundo sombrio, surreal, deixando o jogador curioso em saber, ver mais, desse ambiente. Talvez haja uma frustração aqui e ali quando o mesmo se recusa a explicar alguns elementos. Certamente colecionáveis como diários ou pequenos docs teriam sido interessantes para engrossar o caldo de sua lore, não deixando a interpretação vão vaga assim.

Os efeitos sonoros são competentes, sempre me convencendo de estar em um mundo embaixo d’água, em grandes profundezas, passando a tensa correta dos perigos do mundo subaquático, enquanto os controles também auxiliavam nessa experiência, com uma boa movimentação, ainda que lenta, característica da atmosfera profundamente molhada.

Ao fim, Silt não é um título que deve ficar por muito tempo em minha memória, mas certamente me lembrarei que o joguei quando seu estúdio anunciar sua próxima obra, me deixando, neste momento, curioso com o quanto irão evoluir a partir deste promissor começo.

Galeria

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Dando nota

Tom sombrio, atmosfera surreal, visual monocromático - 8
Narrativa aberta, jogo não lhe conta muito e a interpretação acaba sendo muito pessoal - 6.5
Forte influência de títulos como Limbo e Inside, porém é mais simples do que estes - 7
Experiência de um final de semana, campanha de duas a três horas de duração - 7.2
Boa jogabilidade, personagem se movimenta muito bem num ambiente aquático - 7.5
Possessão de certas espécias de peixes dá um temperinho extra na jogabilidade - 7.8
Puzzles são bem simples, exploração linear não dá muito espaço para divagar - 7

7.3

Bom

Silt é um jogo independente realmente simples, perfeito para fãs de clássicos como Limbo e Inside. Tem um tom mais sombrio, visual monocromático e apresenta um mundo pouco explicado. Oferece uma experiência de algumas horas, mas é imersivo e intrigante enquanto você se mantém em seu mundo. A jogabilidade funciona bem para um jogo embaixo d'água, assim como o recurso de possuir peixes cria momentos interessantes e diferentes do que apenas nadar por aí. Os puzzles são simples e a exploração linear, porém a aventura ainda é divertida e intrigante.

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