Análise | No Place for Bravery
Disponível para Nintendo Switch & PC
No Place for Bravery é um jogo indie brasileiro que chegou ao Nintendo Switch e a Steam em 22 de setembro de 2022 e abrange o gênero aventura, tem uma pegada soulslike e também conta com altas doses de RPG, o que significa que muito de sua história acaba sendo construída durante o jogo, não ficando muito na cara para quem está apenas dando uma olhada no game superficialmente.
Antes que acabe esquecendo, No Place for Bravery é mais um jogo indie feito por um estúdio brasileiro, a Glith Factory, e fico contente em alertar que o título possui localização em português, com legendas e menus traduzidos. Contudo, ao iniciar o jogo no Nintendo Switch pela primeira vez, estando o console configurado para português, o jogo acaba ligando em inglês. Se faz necessário ir lá nas opções para encontrar o português e fazer a alteração de idioma. Claro que não é nada demorado ou catastrófico de ser feito, mas poderia já vir como padrão ou ser detectado pelo idioma configurado como padrão no console.
Dito isso porque só fui notar esse recurso do idioma na segunda vez que retornei ao game, já que nem sempre tenho o hábito de ir até as opções e configurações. Jogadores desatentos podem deixar isso passar, então fica o alerta para alterar o idioma assim que iniciar o game pela primeira vez.
Tormento e escolhas
“Os guardiões não existem mais. Aqueles que protegiam o mundo de Dewr da fúria divina por gerações não puderam angariar as forças para resistir ao que tudo corrompe: O orgulho. Conforme o mundo declina a cada dia, a vida segue sua marcha”.
As frases acima são introdutórias à história de No Place for Bravery, mas com leves adaptações, podem muito bem descrever a situação do nosso mundo como um todo, pessoas orgulhosas “causam” por aí e a cada dia que passa, o mundo declina, e mesma assim, a vida segue em frente.
Aqui assumimos o controle do poderoso e intimidador Thorn, um guerreiro já calejado pela vida, o que o torna bem intimidador e faz jus a sua experiência em combate. Começamos o jogo acompanhando memórias de Thorn e sua filha (que se chama Leaf) em uma caçada a um javali. Mas as coisas começam a ir para um caminho inesperado quando uma criatura gigante aparece e ataca a cidade, o que faz Leaf sair correndo desesperadamente para ver se aconteceu algo com sua mãe que ficou em casa na cidade atacada pela criatura. No meio do caminho, após Thorn dar cabo de vários inimigos, um poderoso feiticeiro aparece e simplesmente com um estalar de dedos (a la Thanos), sequestra Leaf, não dando chance alguma para Thorn fazer algo a respeito.
Este início do jogo além de nos dar um panorama da história de fundo, é ainda o tutorial do game, onde acabamos aprendendo a lutar e se movimentar, um tutorial simples, funcional e muito bem bolado. Você praticamente nem percebe que este é o tutorial do jogo. O tempo passa, e após ter tentado encontrar sua filha diversas vezes, Thorn se contenta apenas em administrar sua taverna, porém lá no fundo a perda da filha nunca saiu de sua memória. Um trauma que o atormenta profundamente.
Thorn e sua esposa acabam por acomodar uma criança (chamada Phid) e a criá-lo como seus protetores. Mas a filha não foi substituída e estará nas mãos do jogador guiar Thorn e Phid (o filho adotado) sair em uma odisseia para talvez dar um jeito nesses pesadelos do passado e, de quebra, mudar todo o mundo a sua volta. Um detalhe é que o pequeno Phid possui uma deficiência motora e por não poder caminhar, acaba partindo nessa jornada pendurado nas costas de Thorn. O que justifica ele estar sempre “pendurado” ao poderoso guerreiro.
Algo interessante é que em vários momentos chave teremos opções, como tomar uma ou outra atitude que vão nos levar a bifurcações na história. Mas nem sempre a escolha é fácil, única ou aceitável, logo no começo quando encontramos 2 grupos brigando, podemos optar por nos unirmos a um e acabarmos com o outro, ou matarmos ambos. Mas afinal, qual seria a escolha correta? Neste momento não temos informações suficientes de nenhum dos grupos e fica a escolha do jogador qual partido tomar, ou não tomar nenhum e encarar os 2 grupos em combate.
Mais à frente deveremos escolher se seguirmos com a sina de Thorn de tentar encontrar sua filha perdida ou pararmos com a busca. Se optarmos por parar, o jogo simplesmente termina ali, teremos um final refletindo sua decisão naquele momento, seguido dos créditos e retorno para a tela título. Podemos então recarregar o mesmo save de onde paramos e ao escolhermos outra opção, continuar a aventura. É uma opção estranha, pois se quisermos chegar ao fim verdadeiro, teremos que continuar, mas sempre somos livres de escolhermos a opção de parar antes de fazermos mais coisas horríveis.
Pixel art e loading
Nem tudo vai agradar a todos, e estarmos vivos prova que o ser humano pode, e deve, fazer escolhas ao longo de sua vida. Gostar ou não do estilo gráfico em pixel art não é algo que vai mudar seu futuro ou determinar futuros problemas em sua vida, mas cabe a cada um gostar ou não desse estilo gráfico.
Ao longo dos anos, cada vez mais estúdios indies optam por este estilo devido a sua maleabilidade, já que podemos moldar qualquer jogo com esse estilo gráfico, apesar de alguns acharem que isso é devido a “facilidade” de se fazer artes fantásticas com “pouco”. No Place for Bravery é um RPG de ação 2D com visão de cima e nos mostra que pouco importa o estilo gráfico escolhido, desde que o resultado final apresentado seja bonito, limpo e extremamente funcional.
Obviamente temos algumas restrições, como não contarmos com grandes variações de nível de sombras ou diferenças do nível de iluminação sobre inimigos, mas isso é praticamente irrelevante, ao considerarmos que todos os cenários são ricos em detalhes e podemos distinguir com facilidade na tela o que é sangue (que é bem abundante aqui), montanhas, folhas, árvores, inimigos construções e todas as criaturas que surgem em nosso caminho, conseguirmos inclusive ter a noção de espaço e localização ao percebermos e notarmos a diferença de estarmos em lugares altos ou baixos do cenário.
Algo que ficou estranho são as telas de loading que são várias e acabam por “parar” o jogo por alguns segundos em diversas situações, pois há muitas saídas e entradas ao longo do caminho. Para passarmos à próxima área, temos que nos aproximarmos de uma marca e apertar o botão de ação por alguns segundos, preenchendo um quadrado e fazendo o carregamento seguinte, e é nessa hora que rola mais um loading. Pelo jogo ser em pixel art acreditei que isso não seria necessário e isso acabou me incomodando um pouco, devo admitir.
Contudo, minha experiência com No Place for Bravery ocorreu justamente no Nintendo Switch, um console que tem penado um pouco com algumas obras, entregando loadings maiores do que os consoles concorrentes possuem, o que talvez esteja nos deixando mal acostumados. Infelizmente o Switch ainda não consegue criar loadings instantâneos e nem todos os jogos conseguem disfarçar (ou precisam criar) tal recurso para que o jogador não sinta a tela de carregamento.
Sons da jornada
Indo de encontro com o visual pixel art 2D, No Place for Bravery também possui efeitos sonoros simples, mas isso não significa que são ruins, mas temos o básico com que já estamos acostumados, sons de ataques, movimentos, gritos, barulho na destruição de objetos e outros, destaque para a música de abertura que é muito bem executada, tendo uma direção meio de batalhas nórdicas, algo nesse pegada. Não foram uma nem duas vezes que deixei ela tocando na tela de seleção antes de começar realmente a jogar, se parar por alguns segundos e me focar, ainda consigo ouvir a música tocando na minha cabeça.
Soulslike versus acessibilidade
Particularmente não sou muito chegado nos jogos da série Dark Souls devido a sua alta dificuldade. Com as correrias diárias acabo me contentando em jogar jogos menos “estressantes” para me acalmar das intempéries do dia a dia e não me estressar ainda mais. Mas conheço o básico de soulslike/soulsborne e sei que é muito mais do que um jogo com nível de dificuldade elevado. No Place for Bravery tem muito dessa outra parte, tem esquiva, tem inimigos poderosos e combates que podem ser mortais contra os mais básicos dos inimigos, contudo, para a minha sorte e a de outros jogadores, temos aqui diferentes níveis de dificuldade e mais ainda em uma pérola a ser descoberta nas opções do jogo.
Além de termos as opções da dificuldade em si que seriam o fácil, normal e difícil temos algo que chama a atenção: podemos em um menu de fácil entendimento tunar o desafio da forma que acharmos melhor, deixando características do jogo no nível que desejarmos, quer um exemplo? Dá para definir a quantidade de vida do personagem, deixando ela padrão, aumentarmos ela ou diminuirmos, entretanto não existe opção de vida infinita. Podemos também fazer o mesmo esquema com a defesa, vigor, dano do personagem, deixando tudo da forma que acreditamos ser a melhor para a nossa diversão durante o jogo e (pasmem) dá até mesmo para ir no menu e alterar a hora que desejarmos sem termos que reiniciar o jogo! Quer melhor acessibilidade do que isso?
Se um dia estiver a fim de mais desafio, diminua a vida e a defesa e tente jogar para ver o resultado. Quer jogar de forma mais tranquila, coloque a vida e a defesa no máximo a aproveite o passeio. Imagine o nível de imersão que uma opção assim pode trazer aos jogadores, podemos fazer o que bem entendermos e jogar da forma que desejarmos. Uma opção assim pode vir a finalmente deixar um jogo acessível a todos os tipos de jogadores. Gostei tanto que torço profundamente para que essa opção apareça em mais jogos daqui para a frente. Pode ser um divisor de águas se for usado corretamente, tornando possível a um número maior de pessoas poderem aproveitar diversos títulos que tem característica de serem mais casca grossa e afastar jogadores menos habilidosos ou sem muita paciência.
Mas mesmo com tudo isso, não ache que vai ser barbada terminar a aventura de Thorn, pois No Place for Bravery desde o começo lhe desafia enviando múltiplos inimigos, que atiram flechas em você, atacam com escudos e são enormes, por assim dizer. Voltando ao que mencionei anteriormente, e do que já conhecemos de jogos soulslikes, partir simplesmente para a pancadaria nos botões vai levar unicamente a telas de Game Over sucessivas. Aqui os seus melhores amigos serão as técnicas parry (defletir), dodge (desviar) e sua sabedoria em usá-las nos melhores momentos que vai fazer a diferença entre avançar ou ficar empacado em lutas que muitas vezes não parecem extremamente justas.
Mas com um pouco de cuidado e técnica você consegue se virar muito bem, até contra inimigos mais poderosos e apelões. Tanto Thorn quanto todos os inimigos possuem uma barra específica que, falando de uma forma bem simples, seria a postura durante a luta, ao dar parry em golpes dos inimigos, você vai diminuir a barra deles e isso vai lhe dar uma pequena janela de tempo onde poderá atacar e causar dano massivo a eles. Mas lembre-se do que falei a pouco, Thorn também possui esta mesma barra então a recíproca é verdadeira e seus inimigos podem fazer o mesmo contra você.
Além do combate em si, outra coisa que vai acabar lhe desafiando é a movimentação por plataformas enquanto revida ou desvia de ataques de longo alcance de seus inimigos, ataque estes que podem acabar lhe derrubando e dificultando a movimentação pelo cenário. Sua vida é recuperada por itens que ganhamos ao finalizar de forma brutal inimigos ou encontrados pelo cenário. Podemos também arremessar armas de pequeno porte como facas nos adversários, mas estas são escassas, então conseguir desviar e se aproximar é a forma mais sensata de eliminar inimigos.
A visão de cima do jogo me remete primeiramente aos jogos da série The Legend of Zelda (os de antigamente), então talvez os mais jovens não tenham nem ideia do que estou falando. Mas outro game que me veio a cabeça na primeira vez que joguei foi que este seria um God of War em pixel art. Até porque Thorn tem uma pinta a la Kratos, um poderoso guerreiro que mata de forma brutal seus inimigos mesmo a vista de outras pessoas – reparei que no início ele desmembra inimigos na frente da filha, que não dá a mínima para a violência do pai.
Outro ponto que despertou a minha atenção foram os controles, que são extremamente responsivos e bem simples. Você faz o comando e a ação já se desenrola na tela, não temos atrasos ou lentidão e tudo é facilmente executado com simples apertar de botões sucessivamente. Então o jogador rapidamente pega o jeito da coisa toda. Itens podem ser alocados em uma roda de opções e os mesmos serão usados conforme apontamos o botão (um dos gatilhos), juntamente com um dos direcionais.
Existe um detalhe importante, estamos sempre presos ao chão, não temos um pulo, então para irmos de uma plataforma a outra em um penhasco, por exemplo, vamos dar um dash de curto alcance que vai funcionar como um pulo para Thorn, mas que não é tão preciso quanto seria um pulo, o que pode nos levar a cair em abismos. Mas não é algo ligado a imprecisão do sistema, é algo ligado a imprecisão do jogador mesmo, então até calcularmos mentalmente o alcance desse dash, podemos acabar caindo em abismos até pegarmos o jeito, algo que desenrola após poucos erros.
Thorn é um cara versátil no uso de armas, então ao longo de sua aventura, teremos 3 armas, uma espada (disponível desde o começo), uma martelo (adquirido nos primeiros minutos de jogo, necessário para quebrar pedras no caminho, além de atacar inimigos obviamente) e uma besta (arco) usada para atingir inimigos a distância. Além disso, e já seguindo uma linha mais RPG, temos também a capacidade de adquirir habilidades, porém encontrá-las nem sempre será fácil, já que elas estão em caminhas alternativos. Então explorar todos os ambientes é a melhor escolha, caso queira ter essas habilidades em seu personagem.
Uma ressalva é que o jogo não conta com save automático, sendo necessário achar os pontos de salvamento e orar neles para efetivamente salvar o jogo. Contamos com longos percursos sem termos um local de salvamento próximo, então explorar sabiamente os arredores de um ponto de save é algo necessário.
Considerações finais
No Place for Bravery é um jogo independente que se destaca por sua valentia em adentrar num cenário competitivo de indie games do gênero soulslike, e que ganha muitos pontos por não enveredar em ser um mero rogueslike. O título consegue criar uma bela apresentação de mundo, com um protagonista com uma narrativa sombria e interessante.
Na hora da execução, o jogo entrega o que se espera, porém não consegue ir além, deixando de impressionar com o tempo ou até mesmo de surpreender. O combate se apresenta como a mesma coisa do começa ao fim do jogo, com uma certa carência de progredir e ficar mais dinâmica, o que se for pensar, também é uma característica importante de jogos soulslike. Talvez se houvesse mais armas, melhores habilidades, a chance aprimorar seus próprios status isso daria outro ritmo a aventura.
Nos aspectos mais técnicos, os gráficos pixel art encantam e o mundo em si é muito bem modelado, com fortes cenários, assim como boas cenas de violência, ainda que em gráficos pixelados, contudo o design do ambiente as vezes pode soar confuso para onde ir ou o que é um muro invisível e o que é uma passagem, o que me parece ter sido proposital dos desenvolvedores, aproveitando o estilo artístico. Na trilha sonora, meus elogios, pois há um trilha musical de impacto, e os efeitos de som agradam.
Fica claro que os pontos fortes de No Place for Bravery estão na narrativa de seu protagonista e na forma intrigante como o jogo dá ao jogador o poder de tomar algumas decisões, sendo que as mesmas nunca ficam clara o impacto imediato que isso vai causar em sua aventura. Atacar, esquivar, defletir são os movimentos básicos de um soulslike e funcionam, graças a bons controles responsivos.
No Place for Bravery entrega boas ideias em seu gameplay, desde as clássicas fogueiras que resetam sua vida e retornam os inimigos aos mundo (respawn), até mesmo ao parry perfeito para quebrar a postura do inimigo e assim deixá-lo invulnerável por alguns segundos, o que funciona muito bem com grandes inimigos e chefes, que precisam que essa postura se quebre para levar o dano considerável.
E ainda que tudo isso soe difícil demais a jogadores que não lidam muito bem com esse subgênero, famoso pela dificuldade, de ter que ser derrotado para aprender como avançar, as opções do jogo abraçam o público que não aprecia isso e dá ótimos modificadores que facilitam esse aspecto do jogo. É um título que abraça a comunidade e dá acessibilidade. E quanto mais jogadores puderem usufruir, melhor, claro!
Galeria
Dando nota
História envolvente e com várias reviravoltas faz com que o jogador se envolva com o protagonista - 8.5
Muitas opções de acessibilidade para ajustar a dificuldade como bem desejar, para mais fácil ou mais difícil - 8.5
Sistema de combate não inova, mas é funcional e responsivo - 8
Ótima direção de arte e trilha sonora, que torna a experiência muito agradável dentro de um visual em pixel art - 8.5
Telas de carregamento em grandes quantidades e lentas no Nintendo Switch - 6
Sistema de decisão faz com que o jogador se envolva ainda mais na narrativa - 8
Violência e sangue dá uma atmosfera bem adulta e sanguinária, ótimo para quem curte esse estilo mais gore - 8.2
8
Bacana
No Place for Bravey é um divertido jogo de ação 2D soulslike, que entrega uma envolvente narrativa e um forte protagonista, preso em dilemas e pesadelos de um passado trágico, em um mundo caótico e sombrio. O gameplay simplifica um pouco as mecânicas de um Dark Souls, porém mantém sua essência e desafio. Para quem teme a dificuldade o jogo traz modificadores para facilitar a vida de jogadores mais casuais, que curtem apreciar a história em si. Há alguns pontos fracos, mas dentro da balança de bons elementos, é um título que vale ser conferido.