Análise | Alan Wake 2
Disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S & PC
Alan Wake 2 é um obra difícil de se sintetizar em poucas linhas afim de abrir esta análise. Trata-se de uma sequência vinda 13 anos depois do primeiro título, que precisou que seus direitos retornassem ao próprio estúdio que o desenvolveu para que esta uma nova aventura pudesse ocorrer e assim dar continuidade aos muitos mistérios deixados pelo jogo anterior. O resultado é um espetáculo fantástico de uma equipe que aprendeu muito em mais de uma década de trabalho, especialmente de depois de lançar obras como Control (2019) e Quantum Break (2016).
O lançamento de Alan Wake 2 ocorreu em 27 de outubro de 2023, desenvolvido pela Remedy Entertainment e distribuído globalmente pela Epic Games Publishing, para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC, deixando de lado os consoles de geração passada (PS4 e Xone) e também o Nintendo Switch, afim de oferecer uma verdadeira experiência da atual geração de consoles. O resultado é um jogo de visual fantástico, mas que exige um bom espaço na memória das plataformas que o receberam, uma média 80GB aproximadamente. Tamanho que vale o resultado, não tenho dúvida nenhuma disso.
Contudo, ressalto que a minha experiência no Xbox Series S não foi lá tão perfeita quanto gostaria, pois sendo o hardware mais fraco dessa lista, e um título que exige muito processamento da máquina, passei pela situação em que o jogo crashou (encerrou sozinho) em diversas ocasiões de gameplay. Isso me incomodou em certos momentos, tendo em vista que o auto save do jogo não é tão generoso quanto se pode esperar dos jogos atuais.
Acabei que senti na obrigação de jogar com mais cautela a aventura, sempre pensando em ir em pontos manuais de salvamento, indo e vindo, sempre temendo que o jogo fosse fechar sozinho, como ocorreu por mais de quatro vezes comigo. Isso me tirou um pouco do ritmo da aventura. Acredito que a performance do jogo se dê melhor nos demais consoles, porém não tive a oportunidade de experimentar em outra plataforma além do XSS.
Apesar de Alan Wake 2 ser uma sequência e fazer diversas conexões com o primeiro jogo deste universo, não é realmente necessário que se tenha jogado a obra original. A história aqui ocorre 13 anos após os eventos originais, e divide a atenção do jogador em duas campanha, tentando justamente responder e preencher essa lacuna de eventos desde que o famoso escritor Alan Wake desaparece no jogo de 2010. O que aconteceu com o personagem nesse tempo todo?
É isso que a sequência quer responder, sob a perspectiva de um novo protagonista, a Agente Especial do FBI Saga Anderson. Isso dá a chance a franquia ser reapresentada a uma nova geração de jogadores, já que Saga é a novata aqui e irá ser apresentada ao mundo da escuridão e da tal Presença Sombria que habita a cidade e os entornos de Bright Falls e Cauldron Lake.
Ao fãs e jogadores veteranos, a campanha dupla os levará para o mundo da mente de um perturbado Alan Wake, reencontrado 13 anos depois, sem ser dar conta do que aconteceu nesse meio tempo, sem memória, sem a certeza de onde esteve ou o que de fato ocorreu com ele. Estas lacunas serão preenchidas aqui, em sua campanha através de memórias perdidas no tempo, em outro momento cronológico.
Então se você não jogou o primeiro, não faz mal. Ninguém irá se sentir perdido, pois Saga será sua guia pelo mundo do sobrenatural desta sequência, enquanto que Alan fará a conexão que talvez depois lhe deixe com vontade de ir conferir o jogo original, que hoje em dia conta com uma versão multiplataforma remasterizada, lançada em 2021, que certamente vale muito mais a pena conhecer do que sua versão original de 2010.
Importante apontar que Alan Wake 2 se comporta muito mais como um jogo de Survival Horror do que o jogo original, que estava mais para um jogo de ação com elementos de horror. Significa que a sequência trabalha mais aspectos psicológicos da trama, escassez de recursos e momentos de tensão, que não necessariamente significam ação em batalha. Há combate, mas somente quando de fato necessário. A nova aventura é para realmente se sentir pressionado a sobreviver diante uma atmosfera sombria de diferenças situações de jogabilidade, de exploração, investigação, observação e combate.
Também acho interessante mencionar nesta apresentação inicial que Alan Wake 2 conta com localização para o português brasileiro, na forma de legendas e menus traduzidos em nosso idioma. Não tem dublagem, que mantém seu áudio original em inglês, porém dá para acompanhar de boa as legendas, que são bem legíveis e estão inseridas no tempo correto das falas, o que nem sempre ocorrem em jogos localizados. Aqui o trabalho de localização está muito bem feito.
De volta à Brights Falls
13 anos depois que o famoso escritor Alan Wake desapareceu em Cauldron Lake, região próxima a cidade de Brights Falls onde se encontra um lago dentro de uma extinta cratera vulcânica, um brutal assassinato chama a atenção do FBI, que envia dois agentes especiais para investigar o caso: Saga Anderson e Alex Casey.
A vítima teve seu coração arrancado nas redondezas do lago, na área de refeição de um mercado próximo, onde se suspeita que uma seita de pessoas vestindo máscaras de cervos esteja por trás deste e outros assassinatos. Uma seita que possivelmente tem objetivos ainda mais macabros, envolvendo os muitos segredos ocultos da região, dentre elas, o misterioso desaparecimento de Alan Wake.
No início da campanha, o jogador assume o controle da Agente Especial, Saga Anderson, e aprende os verbos da jogabilidade com a oficial, que são verbos bem diferentes do jogo original. Aqui é apresentado uma mecânica de jogo de investigação e exploração narrativa. O jogador anda por ambientes, em meio a diálogos entre os personagens, até chegar ao ponto da investigação.
No ponto de investigação a jogabilidade remete um pouco aos elementos de jogos de point & click modernos. Analisa a área e as pistas espalhadas pelo cenário, acompanha conclusões da protagonista e diálogos de quem estiver acompanhando a agente. A cada descoberta, um ícone de pista é desbloqueado e aí vem a parte interessante dessa mecânica: o Lugar Mental!
O Lugar Mental é um espaço que o jogo transforma em uma localidade física a qual Saga pode interagir com os elementos descobertos em sua investigação, num recurso bem inteligente de metalinguagem. O jogador está, na verdade, dentro da cabeça da protagonista, mas é uma forma que o jogo encontra para apresentar o processo de racionalização que está acontecendo dentro da mente, materializando-o visualmente num grande escritório de investigação.
Neste espaço imaginativo você irá encaixar as peças de sua investigação e chegar a conclusões de como progredir pela história. O jogador pode acessa este espaço mental a qualquer momento da aventura, porém é preciso entender que isso não interrompe a ação do que quer que esteja acontecendo na realidade, não é uma forma de Pausar a aventura. Ou seja, nada de acessar o Lugar Mental durante um combate.
É interessante que no espaço mental o jogador tem acesso a um quadro de investigação, em diferentes pastas que o caso irá levar, do assassinato, a seita, o desaparecimento de Alan Wake, entre outros eventos, que levam o jogador para uma mecânica em que o mesmo deve conectar as pistas encontradas neste quadro, afim de abrir novas conclusões. Não é possível colocar as pistas em locais errados, então é meio que na tentativa e erro em alguns momentos, mas os elogios ficam na forma interativa dentro desse recurso tão interessante no jogo.
Claro que com o progresso na campanha, Saga irá se deparar com elementos sobrenaturais e não poderá apenas ficar explorando e investigando, sem que isso não crie qualquer tipo de confronto com a entidade que não deseja que a mesma fique por aí intervindo e xeretando nas coisas da cidade, então as mecânicas de combate serão apresentadas.
Quando o gameplay de combate se apresenta, aí sim a jogabilidade remete ao jogo original, com presenças sombrias surgindo na escuridão e o jogador precisando usar uma lanterna para iluminá-las até que se tornem corpóreas, e assim vulneráveis a armas de fogo. O ponto crucial na sequência, que transforma o jogo num jogo de sobrevivência de terror, ao invés de um jogo de ação com elementos de terror, é que aqui os recursos para o combate são escassos e limitados (mesmo na dificuldade normal). Você pode ficar sem recursos e se complicar no combate, sem ter como lidar com muitos inimigos.
Não só isso, mas existe uma barra de vida, e ao contrário de alguns jogos onde você sai do confronto e sua vida restaura um pouco, aqui em Alan Wake 2 só é possível restaurar a vida com itens ou em raros pontos de luz, e que não funcionam a seu bel prazer (restaura uma vez só e olhe lá, notei que nem sempre a minha vida acabava sendo restaurada). Não dá pra ficar indo para confrontos e retornando para luz para ter essa garantia de vida.
Inclusive tive um problemão na campanha de Saga onde cheguei ao final de um capítulo contra uma batalha de chefe (dois na verdade) com apenas um filete de vida. Qualquer dano morria. E não tinha qualquer item para restaurar vida e na área destes chefes havia apenas dois baús, que dão itens aleatórios e nenhuma garantia de item para restaurar sua saúde. Foi um parto passar desse momento, sem poder restaurar a vida e sem poder tomar dano. Fiquei dependendo da aleatoriedade dos baús a cada momento que reiniciava o checkpoint e de usar o item antes que o chefe me matasse.
Gerenciar seu arsenal se torna crucial nesta sequência, sendo que muitas vezes a estratégia mais inteligente é descobrir onde haverá inimigos, quantos serão e como eles atacarão para planejar seu contra ataque, já que munição das armas, assim como a pilha da sua lanterna são tão escasso como as bandagens e pílulas para encher sua barra de vida. Claro que se você estiver suando demais com essa jogabilidade, pode optar por jogar na dificuldade história, que tem um foco mais narrativo e os inimigos tendem a morrer rapidamente, e os baús são mais generosos com os itens para o jogador coletar.
A jogabilidade com Saga então fica balanceada com estas situações onde o jogador explora regiões no entorno de Brights Falls, que não são necessariamente abertos, porém também não são tão lineares assim. Há muitos caminhos bifurcados com segredos e tarefas secundárias, seja encontrando itens ou realizando pequenos puzzles para encontrar pingentes que dão pequenos atributos bônus ao personagem. Explore, investigue para descobrir o que fazer a seguir (usando as pistas no Lugar Mental), e lide com as ameaças sombrias que vão surgir pelo caminho entre os pontos de história.
O reaparecimento do escritor desaparecido
Em determinado momento da campanha da Agente Saga Anderson haverá certo desdobramento que trará o próprio Alan Wake para o centro de todo esse mistério, o que fará com que o jogo ganhe uma campanha que ocorre em paralelo e concomitante com o de Saga. Então sim, Alan Wake 2 tem de fato duas campanhas!
Com o reaparecimento de Alan Wake, o jogador passa a acompanhar o próprio em suas memórias, tentando descobrir onde e o que o personagem esteve fazendo nestes últimos 13 anos. Não fica claro, num primeiro momento, se ambas as campanhas estão acontecendo ao mesmo tempo, mas existem eventos que se conectam em ambas, que vão preenchendo certas lacunas, até ao final de ambas algumas respostas fiquem mais claras.
E é bem interessante oferecer uma nova campanha com Wake após certo um ponto inicial da campanha de Saga, sendo que depois de avançar pela campanha de Wake o jogador ganha a possibilidade de alternar entre as campanhas, pode joga-las capítulo a capítulo de cada personagem, ou focar em um primeiro, e depois ir para a outra. A estrutura narrativa funciona em ambos os formatos. Contudo, Saga é quem detém o capítulo final da sequência, então o jogador precisa terminar a jornada de Alan antes de concluir a jornada da Agente do FBI.
Quando a campanha de Alan Wake se apresenta o jogador irá notar que o tom e alguns verbos da jogabilidade serão diferentes do que até então o gameplay se mostrou com Saga. O modelo de jogo investigativo sai de cena para entrar um modelo mais metafórico de narrativa, com o próprio Alan Wake escrevendo sua própria história. O ponto é que ele se encontra preso em uma dimensão obscura, a qual sua habilidade como escritor tem o poder de moldar a realidade ali.
Sendo assim a campanha de além é mais obscura e metalinguística, com o jogador precisando descobrir para onde ir, ou como abrir os caminhos fechados pela presença obscura. Os ambientes na campanha de Alan são interconectados, levando o jogador a passar por ruas e trechos já explorados, enquanto novas passagens podem se abrir graças a recursos presentes exclusivamente nesta campanha.
Um destes recursos é o poder de uma lâmpada, apelidada de Clicker, que pode retirar ou inserir luz em um ambiente, sendo que ao fazer isso, é possível alterar a realidade desse local. Então se você está num destes pontos de interação onde há uma escada obstruída por pilhas de lixo, ao acionar o Clicker, um poste de luz irá ser iluminado e você terá uma realidade onde o lixo desapareceu e agora você poderá acessar a escada. Mas essa ferramenta vai muito além de fazer desaparecer objetos, podendo alterar rotas de ruas e das paredes, criando assim novos caminhos a serem seguidos.
Porém essa não é a única habilidade exclusiva de Alan, que preso dentro deste espaço dimensional também pode mudar a narrativa do que está vendo. O ponto é que há uma história acontecendo ali. Alan está em busca de respostas, seja de um assassinato a qual ele ainda não tem total compreensão de quem é, seja da sua esposa ainda desaparecida, seja de uma perigosa entidade chamada Scratch que deseja que Alan pare de escrever.
Dentro desse espaço há então diversas histórias que precisam ser contadas, e sempre que Alan tem uma ideia para avançar com esse conto, ele escreve, como se estivesse num ambiente parecido com o Lugar Mental de Saga. Quando ele escreve, o ambiente muda de acordo com o conto narrativo desejado pelo jogador na pela de Wake. Esse lugar é sobre o assassinato misterioso? É sobre a seita? As variações mudam e novos caminhos e inimigos surgem quando se começa a alternar a realidade da dimensão sombria.
A campanha de Alan Wake mescla muito dessa confusão espacial, com o jogador tentando encontrar pontos chaves de narrativa que vão mudar o ambiente, assim como pontos em que o Clicker vai funcionar e abrir espaço. Nesse meio tempo, logo se descobrir que o combate também será inevitável as vezes. Porém a presença obscura é menos sensível por aqui, então é possível que Alan desligue sua lanterna e evite ser detectado pelos inimigos, vantagem essa que Saga não possui.
Contudo, o revés de andar pelo mundo obscuro sem a lanterna ligada é se perder na escuridão. Há ambientes em que fica muito difícil se orientar sem uma faixa de luz. E não só isso, mas existem palavras perdidas pelo ambiente que servem como pontos de atributo para um sistema de fortalecimento dos atributos de Alan, para que ele tenham mais saúde, cause mais dano quando for batalhar e assim por diante. E só é possível achar estas palavras através da luz da lanterna, já que sem luz estas palavras ficam completamente invisível aos olhos do jogador. Baús também acabam sendo ocultados pela escuridão.
Com isso, a campanha de Alan Wake mescla menos momentos de ação do que a de Saga, porém é muito mais surreal, mais exploratória, baseada em puzzles e com uma metalinguagem muito mais interessante de se acompanhar, mesclando momentos de live action com videogame que dão uma experiência única a obra. Há combate, porém com um incentivo maior para uma abordagem mais furtiva.
A evolução de um estúdio
Alan Wake 2 é uma obra que demonstra a experiência obtida pela Remedy ao longo da última década, adquirida por tudo que o estúdio desenvolveu desde o primeiro Alan Wake. E a forma mais natural possível a qual estúdio demonstra sua evolução e maturidade, sempre observando o que aprendeu em cada obra lançada, assim como as críticas recebidas em cada uma.
Tome, por exemplo, o conceito de Quantum Break, lançado em 2016, que também era um jogo que mesclava momentos de videogame com filmagens live action com atores reais. Conceito que na época já soava interessante, mas que ainda não conseguia visualizar a integração entre os formatos. Diferente do que é feito aqui, em Alan Wake 2. A integração entre a animação in-game com as filmagens cinematográficas é de impressionar, com transições inteligentes e um ótimo uso de ambos os formatos.
Além disso, Alan Wake 2 também se beneficia muito de tudo que o estúdio aprendeu com o sucesso de Control, lançado em 2019 – que por sinal já tem uma sequência em produção. Quando se pensa na jogabilidade aqui apresentada, nota-se que veio de muito que já havia sido criado para Control, desde a mobilidade e movimentação do personagem, quando ao ambiente ao seu redor ser quase um próprio personagem do jogo, com formas e modificações me tempo real que dão essa camada tão importante de surrealismo na atmosfera da sequência a qual (se for pensar) o jogo original pena muito para atingir.
Talvez a aventura aqui não tenha todas as loucuras dos poderes sobrenaturais apelões de Control, e nem aquele show de partículas que explodiam na tela. A pirotecnia é menor, é verdade, mas ainda assim o título guarda momentos repletos de surpresas e acontecimentos inesperados, porém agora focados na tensão, no horror e na sobrevivência mediante o uso responsável de seu arsenal.
É um título que surpreende pela atmosfera, e não pela ação por si só. A narrativa nada linear reserva ao jogador muitas surpresas interessantes, desde sustos em necrotérios a um evento musical inusitado e inesperado que combina jogo e música de uma forma bem impressionante. São duas campanhas que surpreendem em pontuais momentos, ainda que apresentem estruturas sólidas para cada um de seus protagonistas.
Acaba se tornando uma trama que o jogador não consegue necessariamente adivinhar o que vem a seguir. Quais serão os ambientes a se visitar, os objetivos a seguir ou que rumo a trama irá tomar a partir de eventos inesperados que vão ocorrer em diversas viradas de roteiro. Há um (bom) anseio para descobrir como as tramas de Saga e Alan irão se entrelaçar ao fim.
Tudo bem que estruturalmente há momentos que te puxam para certos modelos de repetição, como a necessidade de revisitar ambientes para coletar objetos necessários para a progressão da trama, sendo o velho clichê de explorar novamente áreas que potencialmente vão ter mais a esconder, ou reutilizar mecânicas que você aprendeu, mas que podem ser usadas em mais uma área, da mesma forma que já haviam sido utilizadas. Videogame tem destas, não dá para ser tudo 100% inovador até o fim.
Considerações finais
Terminado 2023, já é tranquilo dizer que Alan Wake 2 se consagra fácil com uma das melhores surpresas em jogos do ano passado. E como uma sequência tão aguardada, não cria expectativas erradas e consegue entregar um resultado não só aquém do jogo original, mas acima de muitas sequências da atualidade. Não se prende somente na fórmula original, optando por expandir conceitos e o universo apresentado na obra que lhe dá origem.
Mesmo que carregue uma numeração em seu título – o que não deixa de ser um risco, já que isso poderia afastar uma parcela de um público que não jogou o primeiro – a sequência se prova inteligentemente independente de ter ou não jogado a primeira aventura de Alan Wake. Quem jogou terá todas as referências e respostas que procura aqui, porém quem não jogou irá se interessar igualmente pelo universo aqui reapresentado.
Em termos de jogabilidade, acredito que o título faz inúmeros acertos. Trazer a sequência mais para o Survival Horror faz todo o sentido, pois abre um leque de emoções ao jogador que só este gênero permite de forma tão fácil, desde a tensão e o suspense, quanto o puro susto. Mesmo assim o jogo não perde o tom do absurdo, tão característico do estúdio, que gosta de uma figura de linguagem e da própria metalinguagem em si. E em meio ao horror, também existe um toque daquele estranho humor, destes em que acha sentido um número musical dentro de uma dimensão sombria que está tentando devorar sua alma. Normal, é o terror não se levando a sério demais, sendo um entretenimento em sua mais puro sentido.
Visualmente a sequência também entrega uma qualidade de atual geração de consoles. A ambientação e a direção de arte do jogo é um show à parte, que trabalha muito bem o preto em contraste com outras cores chapadas, dando a certos cenários um efeito único de atmosfera. Vermelho, laranja, verde, são cores bem interessantes quando em certo contraste com o puro preto. Além disso a forma como a luz branca age aos cenários cobertos por trevas é surreal. Acrescente aí cenários riquíssimos em detalhes, com inúmeros objetos decorativos e um mundo que parece vivo, mesmo que você não esteja em uma realidade alternativa e prestes a ser encolhido pela Presença Sombria.
Mas assim, todos os aspectos técnicos do jogo são bem desenvolvidos. O som é impactante, a dublagem em inglês dos intérpretes é de tirar o chapéu, assim como aqueles que também filmagem as partes live action, quanto aos efeitos sonoros, desde as árvores ressoando o vento quanto os sussurros dos inimigos sombrios. É um jogo que o som tem envolve e trabalha na imersão proposta. No só isso, mas a forma como a trama é contada, como transita entre duas campanhas e entrega personagens e protagonistas distintos, igualmente interessantes, como a história te surpreende e entrega pontos de tensão em vários momentos.
E a variedade de verbos e mecânicas acaba sendo importantíssimo para a jogabilidade, é claro. É um jogo em você sente sua progressão, que aprende novos meios de interagir com o mundo, que o explora, o observa e muitas vezes reage ao que a situação se apresenta, e muitas vezes de forma distinta, seja por um combate, uma fuga, um puzzle ou a necessidade de alterar a realidade por si só.
Contudo, não acho que Alan Wake 2 seja um título isento de pequenas críticas. Por exemplo, entendo a boa intenção de mudança para um gênero de sobrevivência e terror, contudo acho que mesmo na dificuldade normal o jogo pode criar alguns enroscos que quebram o ritmo do jogador em progredir pela história, especialmente na questão da alta necessidade de gerenciar seus recursos para combate, assim como a não restauração parcial da saúde, tanto fora do combate, quanto ao reiniciar um checkpoint.
E mesmo que exista um modo história (modo fácil) que ameniza isso, e torna o combate fácil demais, não me agrada a falta de um meio termo, onde o combate possa ainda ser desafiador, porém os recursos mais generosos ou uma melhoria na maneira como a saúde é restaurada em certos pontos do jogo, especialmente antes do combate entre os chefões.
Também senti que há pontos em ambas as campanhas propostas que são esticadas além do necessário, apenas pelo conceito de que os jogos modernos atuais precisam ser longos, com dezenas e mais dezenas de horas. E veja bem, Alan Wake 2 é um jogo com uma duração razoável, uma média de 25 horas, mas que certamente poderia durar um pouco menos se alguns momentos o gameplay não revisitasse áreas ou mecânicas. O capítulo em que Saga visita um parque de diversões é um bom exemplo disso.
Mas tudo isso são críticas pontuais em meio a um título que entrega uma experiência ímpar de jogo, que surpreende e lhe mantém imerso em seu universo por muito mais tempo do que você pode achar que lhe prenderia. É um destes jogos que marcam uma geração e que ficam na memória a experiência da aventura em si, com todos seus (muitos) altos e (poucos) baixos.
Ao fim, Alan Wake 2 é uma sequência que prova seu valor, e que entrega algo animador em meio a uma atual Indústria que repete muito certos gêneros da moda, e que as vezes esquece o valor de uma boa história e de como ela deve entreter o jogador, para que mesmo sinta-se dentro daquilo a qual está interagindo. O universo do jogo precisa encantar e te levar para dentro dele. E isso a Remedy está fazendo com uma maestria sem igual. Valeu cada ano, mês, dia e hora esperando pelo retorno desse renomado escritor. Pegue sua lanterna e verifique suas pilhas, você irá precisar!
Galeria
Dando nota
Sequência com uma grande apresentação, pega novatos e fãs rapidamente em um universo envolvente - 9.5
Fantástica direção de arte, com atmosfera envolvente e cenografia que impressiona - 9.5
Duas campanhas entregam boa diversidade de situações e mecânicas, do combate, a exploração, aos puzzles, as investigações - 9
É uma grande sacada tornar o jogo um Survival Horror ao invés de manter apenas um jogo de ação com terror - 9
Capítulo musical e a integração de live action com jogo e trama é genial - 10
Recursos escassos para o combate e barra de vida sem auto regeneração (parcial) cria um desafio acima do necessário - 7.8
Entrega uma ótima trama, com situações inesperadas e imprevissíveis - 9
9.1
Incrível
Alan Wake 2 é aquela sequência que pode leva o tempo que precisar pra acontecer, mas que quando acontece, faz valer a pena todo o tempo de espera. O título reapresenta o universo da franquia, opta por adentrar de cabeça no Survival Horror, entrega uma narrativa em duas campanhas e explora diferentes protagonistas com mecânicas e situações muito bem distintas. O resultado é uma obra incrível que impressiona em sua atmosfera e na metalinguagem de sua trama. Espere sustos, surpresas e um desafio considerável.