Análise | Dragon’s Dogma 2

Disponível para PlayStation, Xbox & PC

Dragon’s Dogma 2 é uma odisseia de fantasia com seus próprios trejeitos, sendo uma sequência que funciona totalmente independente do clássico a qual deu origem ao seu universo. Inclusive, apesar de seguir a fórmula e estrutura do primeiro, aperfeiçoa e aprimorada alguns de seus elementos estruturais. O resultado é uma aventura ímpar, que mesmo com uma alta curva inicial, e incontáveis detalhes de mecânicas menores, resulta em uma experiência que se divide entre tradicionalismo e inventividade única.

Seu lançamento aconteceu no último dia 22 de março, de forma exclusiva para os consoles da atual geração, PlayStation 5 e Xbox Series X|S, assim como o PC. Seu desenvolvimento ocorreu pelos estúdios internos da própria Capcom, detentora da IP, e tem como nome de destaque na equipe de desenvolvimento, Hideaki Itsuno, que também foi o diretor do primeiro jogo, assim como trabalhou em diversos jogos do universo de Devil May Cry.

No geral, Dragon’s Dogma 2 é um action-RPG que usa bastante do modelo de jogos RPG ocidentais, porém com um tempero oriental, o que não o deixa exatamente ser um JRPG, ainda que todo desenvolvido seja de um estúdio japonês. Não existem batalhas por turnos aqui, tudo ocorre em tempo real ao mapa, enquanto seu personagem, totalmente personalizado pelo jogador, pode escolher diferentes classes de especialização de combate, do guerreiro (combatente), mago, arqueiro, entre outras, e assim se desenvolver dentro de sua própria categoria. Sua equipe é composta por mais três personagens, um parceiro também criado pelo jogador, e outros dois criados por demais jogadores, que andam e interagem no mundo uma vez que o jogo esteja online.

Aqui no Brasil, o título chega ao nosso mercado com uma localização em português através de traduções de menus e legendas em todos os diálogos do jogo. Não foi feito dublagem, então as vozes estão, por padrão, em inglês mesmo. É uma ótima localização, ainda que pontualmente tenha feito confusão ao ter traduzido heatlh como vigor e stamina como vitalidade. Claramente os termos foram trocados na hora de traduzir ao nosso idioma.

Diário de uma aventura

Dragon’s Dogma 2 me deu a impressão de ser um daqueles jogos em que cada jogador terá sua própria experiência e aventura em particular. Portanto, resolvi fazer essa análise pensando nessa estrutura de contar um pouco mais como foi jogá-lo do que me prender a explicar todas suas mecânicas em detalhes. Até porque, este não é um título em que todos os jogadores usarão ou até mesmo presenciarão tudo que o universo do jogo tem dentro de suas possibilidades.

E acho que a primeira coisa que posso contar da minha aventura por este mundo dividido entre humanos e leoterianos (seres felinos humanoides) é que Dragon’s Dogma 2 demorou a me convencer que deveria investir e imergir mais em seu mundo. A curva inicial da aventura é longa e as coisas demoram horas para engatar. Pode parecer desanimador dizer isso, entretanto, preciso fazer essa observação para poder apontar que depois que o jogo clica, o pensamento que fica é “que maravilha que insisti em continuar“.

Parte disso ocorre porque fui na ansiedade de já ter jogado diversos RPGs na vida. Sei o básico, “só me dá o plot inicial, meu equipamento básico e me solta logo no mundo“. Só que o jogo não é uma cópia de outros jogos do gênero. Sua pegada é única, ainda que muito semelhante ao primeiro Dragon’s Dogma. E por isso as rédeas são controladas nas primeiras horas do jogo.

Primeira coisa a entender é que você, o jogador, é o escolhido, o predestinado a surgir e se tornar o rei de todos, aquele denominado Nascen. Só que ser reconhecido como tal não é tão simples assim, já que existe outra pessoa no mundo alegando ser o tal escolhido. O mundo é dividido entre humanos, leoterianos e os reclusos elfos. O jogador sendo o predestinado Nascen também é aquele que irá derrotar um temível dragão que irá ameaçar a destruição de todo o reino. O combate entre ambos é uma profecia.

Mas isso não é tudo. Há então a figura dos peões, aqueles que são criados ao capricho do próprio poder do Nascen ao interagir com uma das pedras místicas que existem no reino. O jogador, além de criar seu próprio personagem, também cria um peão assim que encontra a primeira destas pedras mágicas. E o mundo é repleto de peões, criados por diferentes Nascen, que conseguem transitar entre diferentes realidades, quando não estão a serviço do seu próprio Nascen (quando ele está dormindo, por exemplo). E peões só podem servir e obedecer ao Nascen.

Esse conceito, bem integrado a narrativa, é a forma do jogo conseguir dar ao jogador, a chance de moldar sua equipe de aventura com uma enorme liberdade. Além do seu peão, ainda é possível andar com mais dois peões de outras realidades, com diferentes habilidades, classes e personalidades. E o jogo te incentiva a trocar eles conforme a aventura avança, porque somente o Nascen e seu próprio peão sobem de nível. Os peões contratados precisam ser constantemente trocados por outros de níveis maiores. É uma dinâmica bem interessante isso.

De volta a minha aventura em particular, escolhi vivenciar a experiência de Dragon’s Dogma 2 com um protagonista Leoteriano, ao invés do tradicional avatar humanoide, enquanto o meu peão deixei como um personagem humano. O curioso de escolher a raça dos felinos nesse universo é descobrir que isso impacta a forma como muitos NPCs humanos irão lhe tratar em diversas áreas do jogo, pois existe um certo preconceito para com a raça.

Muitos NPCs vão lhe tratar com desdém, serem mal educados e até mesmo pedir para que você nem dirija a palavra a eles. Não importa que você seja o Nascen, o tal salvador predestinado, algumas pessoas não vão gostar de você simplesmente por sua raça. É uma boa quebra de paradigma em relação a perspectiva do herói que todos vão adorar. Até mesmo, nunca segunda grande área do jogo, onde os leoterianos são mais frequentes, muitos de sua raça vão lhe tratar de forma ríspida porque você não é natural da região em si. Ou seja, não dá pra ganhar a simpatia de todos dentro do jogo.

Nesse sentido, o jogo acerta ao dar a cada jogador um senso de personalidade única, tanto ao seu Nascen, quanto ao seu peão. Acredito que cada um terá uma experiência ligeiramente diferente, ao escolher a raça de seu personagem, assim como a personalidade de seu peão e dos peões que decidir formar uma equipe.

O sistema de criação de personagem, por sinal, é muito bem estruturado, com opções bem satisfatórias no sentido de permitir criar um avatar repleto de possibilidades. Do baixinho ou do alto, do musculoso ou esquelético, de vários tons de pelo, tipos de cabelos e formato de rostos. Seja um humano, seja um felino. Marcas, cicatrizes, há um pouco de tudo, e é possível criar inúmeras variações. Tanto que ao andar pelo mundo do jogo, vendo outros peões criados pelos jogadores, é possível perceber que nenhum é igual a outro criado pelo mesmo sistema. Sempre haverá pequenas mudanças e variações no perfil dos avatares criados dentro desse sistema.

Vista-se para a batalha

Seguindo adiante, então temos as classes que irão moldar a forma como a jogabilidade irá se comportar nas horas iniciais, até chegar o momento em que o jogador poderá alterar tanto a sua classe como a de seu peão. Inicialmente são quatro classes disponíveis: Combatente, Arqueiro, Ladrão e Mago.

Os nomes de cada classes meio que falam por si só, mas vale apontar que Combatente é o soldado padrão, de escudo e espada, que tem uma velocidade padrão. É a classe mais básica do jogo. Arqueiro e Mago são classes de combate à distância, sendo que o ataque do arqueiro é mais potente que a do mago, ao menos inicialmente, contudo o mago tem a habilidade de cura, o que o torna quase que obrigatório em uma equipe. Já o Ladrão, a classe que escolhi para meu personagem, é um personagem ardiloso e ágil, que precisa está muito próximo ao inimigo para conseguir causar dano.

O ladrão é uma classe que utiliza duas adagas, e é importante dizer que cada classe tem suas próprias armas, enquanto que vestimentas, haverá algumas exclusivas de cada classe, mas muitas delas podem ser compartilhadas entre algumas classes. Um ladrão, então, não poderá usar uma espada ou escudo. Uma armadura? Bem, ele até poderia usar, mas como cada personagem tem um padrão de peso, não é uma boa usar roupas que o tornem muito pesado, afinal ele precisa de agilidade. Deixá-lo pesado é uma péssima ideia.

Ladrão também é uma classe que possui um comando de esquiva, não a tradicional “roladinha” de jogos soulslike, na verdade o personagem dá um giro rápido ao torno do inimigo, quase como um dash (estilo Mega Man X). É realmente bem maneiro. Como é um personagem que precisa chegar muito perto do inimigo, acaba sendo necessário tal velocidade de aproximação e afastamento.

Também é uma classe que pode atingir pontos críticos nos inimigos, a depender de onde seu ataque o atingir ou caso o inimigo caia no chão, o que faz o ladrão desferir um ataque quase sempre mortal em inimigos mais fracos. Com inimigos enormes, o ladrão pode saltar e desferir estes mesmos ataques críticos, ou então, ao escalar nestes, caso chegue ao ponto fraco do inimigo, como o olho de um ciclope, o mesmo ataque crítico irá ocorrer.

Para jogadores habituados com jogos soulslike, a classe do ladrão me pareceu muito natural de ser utilizada. Até porque não é toda a classe que tem esquiva. Mago, por exemplo, o mesmo comando usado para se esquivar no ladrão, é utilizado para uma magia secundária, afinal o mago não precisa de uma esquiva efetiva partindo da lógica que deve estar sempre afastado dos inimigos. Da mesma forma que tudo bem o mago tomar um pouco de dano, já que pode usar uma magia de cura para restaurar sua saúde.

E como resolvi iniciar minha aventura como ladrão, achei que faria total sentido meu peão usar uma classe de combate a distância. Então escolhi com que ele fosse um arqueiro, já que inicialmente não tinha noção de quais seriam os parâmetros e limitações de um mago em níveis iniciais (se usaria muita mana ou até mesmo se teria a magia de cura, o que descobri posteriormente que teria). Independente dos poréns, acredito que foi uma ótima escolha de classe para o peão principal.

O ladrão, inicialmente, não tem muito alcance vertical, e um dos primeiros inimigos que o jogo apresenta são harpias, criaturas aladas, que ficam voando numa distância que torna impossível do ladrão as alcançarem com suas adagas. E são inimigos típicos do mundo do jogo, tão comum quanto os goblins que atacam pessoas e fazem acampamentos pelas estradas do jogo. Contudo, os inimigos voadores não oferecem nenhum ameaça para o arqueiro, que ao acertar suas flechas de uma distância segura, as derrubam, tornando-as presas fáceis para meu ataque crítico com as adagas.

Outra vantagem de se ter um peão com um estilo de combate diferente do personagem controlado pelo jogador, é que assim ambos mantém uma distancia um do outro, o que divide grupos e confundem inimigos, que nem sempre possuem um padrão de qual adversário atacar primeiro. Isso faz com que meu ladrão não fique exatamente na linha de frente, porque o arqueiro irá atacar os inimigos, chamando para si a atenção, o que me permite franquear e tomar melhores posições de ataque com o ladrão, uma vez decidido me aproximar dos inimigos. Achei uma combinação sensacional.

Ah, e não se preocupe. É possível dar pequenos comandos ao peão, e toda a equipe, uma vez recrutado mais gente, para que eles recuem de batalhas ou te socorram caso necessário. Em nenhum momento ter estes personagens interagindo com o mundo me atrapalhou ou causou algo que não pudesse remediar.

Indo mais adiante dentro do sistema de classes. Ao subir de nível, é dado pontos ao jogador, e ao seu peão principal, para que ele gaste em novas habilidades para a classe que melhorou seu ranking. Novos golpes e habilidades se tornam disponíveis. Por exemplo, o ladrão passa a ter uma corda que iça inimigos alados para o chão, ou em grandes brutamontes, a depender do tempo correto, o puxão da corda pode desequilibra-los, tornando fácil a execução de golpes críticos. O arqueiro, passa a ter mais habilidade, podendo atirar múltiplas flechas, ou uma flecha carregada ou até mesmo passar a atacar a maiores distâncias.

Subindo de nível de classe também se obtém melhorias de status que podem ser equipadas em seu personagem. Mais defesa ou saúde, dificuldade dos inimigos lhe detectarem, melhor coleta de itens e ouro, etc. Contudo há um limite de slots que podem ser usados, e eventualmente é preciso escolher quais os melhores atributos o jogador e o peão devem se equipar. Estas melhorias podem ser mantidas quando se troca de classe, enquanto que golpes e habilidades atribuídas as classes, não.

Falando então da troca de classe, em certo ponto do jogo, você acaba sendo apresentado a Guilda das Classes. Lá é possível trocar sua classe, além de fazer as melhorias mencionada nos parágrafos acima, gastando seus pontos em novos golpes e habilidades na classe que subiu de nível. Trocar de classe significa, em certa aspecto, recomeçar a construção do nível de poder de seu personagem. O dono da guilda lhe dá um equipamento básico da classe selecionada e aí cabe ao jogador subir os primeiros níveis.

Não é uma coisa super difícil recomeçar tudo em uma nova classe, mas também não é molezinha. Na minha aventura tomei a decisão de trocar de classe num ponto da aventura em que precisava viajar para a segunda grande área do jogo, que é mais desértica. Troquei minha classe de ladrão, quase em nível máximo e com ótimos equipamentos, para uma das classes extras que surgem com a progressão da aventura, no caso a classe do Lanceiro Místico.

Essa classe dá ao jogador a possibilidade de lutar usando uma lança, enquanto que também é possível usar magia, ou seja, você batalha de uma distância próxima, mas não colada no inimigo, enquanto ao se afastar pode usar magias para seguir atacando. Uma classe que logo ficou claro que não combinou com meu estilo de combate. Primeiro que os feitiços são bem básicos, não tem nada extraordinário como a magia de eletricidade ou de cura que o mago básico pode usar. Além disso o lanceiro não tem a esquiva do ladrão, o que, uma vez em que estava acostumado, me tomou um tempo para criar outras formas de me defender dos contra ataques inimigos.

E como o equipamento também é básico, acabei me encontrando em uma saia justa, sem um estilo de combate a qual estava habituado, com inimigos de uma área mais forte, com habilidades ainda bem limitadas. Os confrontos da viagem foram sufocantes e nada divertidos. Mas segui insistindo em testar a classe por mais algum tempo, até ao menos, conseguir algumas vantagens que pudesse voltar quando retornasse a minha classe original. O que valeu a pena posteriormente.

Mas sim, escolher a classe que mais combina com seu estilo de jogo faz toda a diferença com a experiência da aventura de Dragon’s Dogma 2. Quando voltei a essa mesma área que passei com o lanceiro, mas de volta ao formato ladrão, tudo foi mil maravilhas. Combate ágil, ataques críticos e já usando armas e habilidades de maior devastação. Foi a sensação ótima, me senti em casa novamente.

Acho que o jogo incentiva sim o jogador a trocar e testar suas muitas classes, contudo, nem sempre a troca, em meio a progressão da aventura é simples. Trocar a classe talvez exija sair um pouco da aventura principal, retornar a áreas iniciais, realizar algumas missões secundárias, para só então depois seguir adiante, quando completamente habituado ao novo formado da jogabilidade.

Meu peão também passou por uma experiência similar. Pois, em certa situação tive um peão aliado que perdi em batalha. Ele caiu, não consegui reanimá-lo a tempo e fiquei sem um membro da equipe com a classe do combatente. Como estava em viagem pelo mundo, recrutei um novo membro assim que o mesmo apareceu: e foi um arqueiro de grande habilidade, que se mostrou superior ao meu peão e que sabia certas trilhas no mundo para missões secundárias (tem isso também, se o dono do peão já fez tal missão, seu peão pode mostrar a outro jogador o caminho).

Não quis dispensar esse arqueiro que se mostrou tão prestativo, mas uma equipe com dois? Então troquei a classe do meu peão para combatente. E batata, meu peão passou a ter a mesma dificuldade que eu me encontrei quando troquei para lanceiro místico. Caindo em batalha com mais frequência, precisando ser reanimado. Posteriormente isso melhorou, comprei melhores equipamentos pra ele, adquirir novas habilidades depois que ele subiu algumas classes. Então a lição é que a troca parece ser sempre difícil uma vez que a aventura esteja engatilhada. E não aconselho a troca de classe do personagem principal e do peão ao mesmo tempo. Faça com um primeiro, suba de nível de forma razoável, e só aí faça com o outro.

Andanças por um mundo repleto de percalços

Contextualizado a história e suas nuances, assim como personagens e classes, resta apresentar o terceiro pilar de Dragon’s Dogma 2, o mundo em si, um enorme continente com diferentes biomas, envolto por um imenso mar e trilhas e mais trilhas repletos de inimigos.

Não acho que dá para dizer que seja um mundo inteiramente aberto, ainda que esteja muito longe de ser considerado linear. Na realidade é um mundo projetado para conectar os vilarejos entre si, para que o jogador tenha a real experiência medieval de viajar entre distante cidades, pelas estradas de terras, combatendo inimigos e quaisquer ameaçam que surgirem pelo caminho.

E é nesse sentido que talvez venha um dos maiores dilemas do jogo: a limitação da possibilidade de viagem rápida entre os possíveis destinos já visitados. Pois é, um dos elementos mais comuns dos jogos modernos, aqui é repensado e limitado na forma de um item caríssimo ou viagens de carroça de pontos fixos do mapa, que levam a pontos exatos, e que funcionam apenas em certo período do dia. Se você chegar num ponto de carroça, precisa acelerar o tempo até o dia seguinte para pode pagar pela viagem.

Admito que demorei bastante para entender a proposta dessa mecânica que limita o ritmo e dinâmica do avanço pela aventura. Existem missões secundárias em que você realmente precisa andar por longos pontos do mapa, retornando a ambientes lá do começo da aventura, afim de realizar certo pedido de um NPC aleatório. E as recompensas nem sempre vão justificar esse esforço. Não nego que houve momentos em que preferi pagar o preço do item (caríssimo), que tem estoque limitado dentro do jogo, a refazer todo o percurso solicitado.

Contudo, entendo o que os desenvolvedores querem com tal atitude. A aventura de Dragon’s Dogma 2 está justamente na exploração do mundo, de seus segredos e dos percalços encontrados pelo caminho. E apesar de ter uma estrada principal para guiar o jogador, é saindo da trilha onde ocorrem as coisas mais interessantes. Cavernas escondidas, itens secretos e diversas outras surpresas pelas entranhas da mata ou pelas estradas secundárias. Vale a pena perder tempo explorando outros caminhos, que são ambientes que se o jogador ficar usando viagem rápida, certamente iria ignorar.

E diferente de outros jogos, onde a estrada leva para calabouços e ambientes fechados, para batalhas e encontros de chefes, no caso de Dragon’s Dogma 2, os eventos ocorrem diretamente no mundo, nas estradas, no caminho e desvios entre as vilas e cidades maiores. As estradas não são apenas pontos que conectam a narrativa, sendo justamente o contrário, elas estão inseridas na narrativa, fazendo parte da jornada em si. E por isso acaba sendo interessante a forma como os desenvolvedores propuseram a viagem rápida e os limites propostos por essa mecânica.

Contextualizado esse aspecto do jogo, que certamente pode desagradar alguns jogadores, ainda que seja justificado e sensato limitar, existem outros detalhes que me incomodaram um pouco, como por exemplo, não conseguir escalar qualquer encosta, o que acaba criando aquela sensação de muros invisíveis num jogo onde não deveria haver tais limitações, especialmente quando você consegue entender que acima da encosta há o que se explorar. Neste caso o jogador precisa achar a trilha certa para subir. Isso acho meio irritante vindo de um jogo que permite até correr e saltar de pequenas beiradas.

Um outro detalhe que também me incomodou um pouco é a escassez de eventos aleatórios no mundo. Depois de andar por muitas estradas, comecei a ter a sensação de que os inimigos, em sua grande parte, possuem pontos fixos nos mapas. Então ir e vir pelas estradas sempre irá aparecer os mesmos inimigos. O que é um pouco decepcionante, já que perde-se qualquer elemento inesperado. Até mesmo os grandes inimigos, que requerem maior tempo de combate, possuem pontos fixos no mapa.

A única exceção talvez seja o grande grifo, uma criatura ave enorme, que voa pelo mapa inteiro, aparecendo em diversos pontos da jornada, a qual os primeiros encontros é até possível confrontá-lo, mas dificilmente será possível derrotá-lo, já que depois de certo tempo de batalha, ele simplesmente perde o interesse pela batalha e vai embora. Mas é um inimigo muito legal, que invade batalhas de grandes criaturas e causa o maior caos no mundo. Pena que seja um exemplo tão único. E uma dica, assim que for possível, suba em suas costas e fique lá até que ele saia voando e veja onde isso vai te levar (tenha poções para restaurar sua stamina). Seria muito bom se mais momentos assim ocorressem com outros grandes seres do jogo.

E não é que tais momentos não ocorram. Ciclopes e grandes feras podem invadir pequenas batalhas contra goblins, harpias e lobos, assim como estes pequenos inimigos também podem se cruzar e acabar criando confrontos ainda mais caóticos. Mas são momentos que não soam únicos ou especiais. É só bagunça por bagunça, justificada quando o jogador empurra demais a batalha por longos percursos até encontrar novos inimigos a ser combatidos com os do ponto anterior. É ocasional, mas não inesperado. Não gera um efeito surpresa, como o grifo pode causar.

Claro que também há os dragões, estes sim um dos maiores inimigos do jogo. Ponto crucial da narrativa, pois o Nascen está destinado a confrontar o maior dragão do jogo e deve vencer ou morrer em combate, afim de criar um novo momento de paz ao reino com sua vitória sobre a temível criatura. Contudo existem diversos dragões a se enfrentar e todos criam imensas batalhas nos mais inusitados terrenos e momentos. E como disse, alguns parágrafos acima, muitos deles estão pelo mundo, sem uma área exatamente criada como uma arena para enfrentá-los. Inimigos habituais do mapa vão ver o caos e atrapalhar. Os ataques do dragão são imensuráveis, destes que podem lhe nocautear com uma única investida. Sua cauda é um perigo, assim como suas garras, seu fogo, tudo nele representa um risco. Esteja abaixo dele, ou até mesmo em cima da criatura.

Alias, em se tratando de mecânicas de combate, Dragon’s Dogma 2 tem um esquema bem padrão para um Action RPG, com seu personagem executando comandos de golpes de uma árvore de opções em tempo real, mas sem uma flexibilidade de um jogo de ação, como Dark Souls ou Devil May Cry, pode proporcionar. Até lembra um pouco o estilo de um Monster Hunter, mas sem tamanha agilidade ou golpes mais impactantes, especialmente em inimigos que podem perder partes de seu corpo, como um lagartão que perde o rabo quando o ataque acerta essa parte diversas vezes, o que claramente é uma referência a tal franquia da Capcom.

Para um action RPG, esse estilo de combate até combina, pois há uma equipe de personagens dentro de uma batalha, utilizando seus próprios recursos, meio que representa os turnos de um RPG tradicional, mas também deixa muitas batalhas um tanto quanto repetitivas, sem que o jogador tenha muitas opções de golpes ou combos, ou táticas, uma vez que já tenha aprendido as habilidades e movimentos de cada grupo de inimigos. Diferente de um jogo de ação com diversos combos e finalizações. Depois de um certo ponto, as batalhas tendem a ser mais repetitivas, especialmente se você se prender a uma classe, como eu fiz, a qual se dá muito bem com as habilidades, comandos e golpes da mesma.

Não é um jogo que me vi entretido pelo combate, e sim pelo mundo, sua exploração, e a forma como progredir em sua narrativa. E a imersão de um jogo de RPG, em sua essência, são estes elementos, não tem como discutir. As batalhas são parte do processo para se fortalecer, e funcionam, ainda que não sejam uma reinvenção da roda. Funciona ao seu proposto, com muitos poucas falhas, a depender da classe que mais agradar o jogador, e é recompensador sair vitorioso de cada vitória, tentando sempre tomar o menor dano possível, já que sua saúde só se recupera com itens, magia do mago ou dormindo em pousadas.

Alias, há um enorme porém nesta questão da saúde, e é um aspecto bem interessante, especialmente para um RPG. Conforme o jogador e os peões da equipe avançam pela jornada, tomando dano em batalhas, não o status de saúde abaixa, mas seu próprio limite da barra. Ou seja, se você tem 1.000 de HP, e perde metade, quando for restaurar a sua saúde com magia ou item, talvez você recupere somente até 800 ou 900! O que indica que seu limite máximo de HP abaixou. Só que isso não é permanente, podendo ser revertido acampando ou dormindo em uma pousada.

Contudo, como você está em uma viajem por estradas onde não pode usar viagem rápida com tamanha facilidade, isso vai significar continuar duelando, com seu máximo de HP sempre baixando, ainda que restaurando a sua saúde de forma habitual. É como um cabo de guerra, até o quanto você consegue duelar, até que sua saúde esteja comprometida por tal limite? Aí é preciso parar e encontrar um meio de dormir afim de retornar ao seu status de saúde máximo.

E são nestes aspectos curiosos que Dragon’s Dogma 2 encontra sua peculiaridade para encantar o jogador. É nas pequenas regras diferentes e malucas. O próprio acampamento, uma forma de salvar do jogo, além de recarregar sua barra de saúde máxima. Você não pode acampar em qualquer lugar. É preciso achar o ponto correto no mapa, além disso é preciso usar um item de acampamento, que é totalmente reutilizável contanto que você não seja atacada durante o seu descanso, o que pode totalmente acontecer! Inimigos podem lhe atacar nesse momento e você terá que batalhar, e perderá o item de acampamento. Precisando retornar a uma vila para comprá-lo novamente, e é um item pesado, a qual não compensa um personagem carregar mais do que um ou dois.

O próprio auto save do jogo é interessante, porque ele salva a todo instante, antes do jogador entrar em uma batalha, contudo não existe a possibilidade de salvar manualmente, e nem há múltiplos slots. Não gostou do ponto em que o jogo salvou? Você só tem a opção de retornar ao save da última pousada em que dormiu! O que te levará a perder todo o progresso que fez depois de sair do vilarejo onde isso ocorreu. E tem mais, sempre que você optar por renascer do último save de batalha, sua barra de saúde também estará menor. Cada morte, menos barra. Chega em certo ponto que fica inviável continuar tentando batalhar com aquilo que se está enfrentando, já que a cada nova tentativa, você o faz com menor saúde. E aí vale a regra, volte numa pousada, durma e tudo é restaurado em sua totalidade.

Percebe como estas regras de exploração são únicas e inerentes a como sair pelo mundo e o impacto psicológico que isso tende a causar ao jogador? Sem viagens rápidas pelo mapa, saúde que vai diminuindo, salvamento que reinicia do mesmo ponto com certa penalidade, peões contratados que podem morrer e você terá que recontratar outros. O mundo é um obstáculo em si, e o jogador precisa aprender a domá-lo. E é preciso lidar com esse medo, porque tudo está pelas estradas, segredos, itens, confrontos e progressão narrativa!

Considerações finais

Dragon’s Dogma 2 é uma aventura de fantasia com regras incomuns, mas pertinentes ao gênero de um RPG de ação. Um título que escolhe a imersão pela jornada da aventura do que modismos dos jogos modernos, e tornando esse aspecto um dos pontos mais fortes de sua experiência, acima até mesmo da narrativa em si. Uma sequência que independente do jogo original, mas que também respeita a estrutura original, reformulando e refinando pontos críticos do jogo lançamento em 2012, aproveitando inclusive de uma melhor experiência de comunidade online, compartilhando um universo de avatares criados por outros jogadores que transitam pelas estradas do mundo, e que podem vir a integrar a equipe do jogador.

É uma experiência repleta de pequenos detalhes e coisas para se aprender, vivenciar e observar. Tantas diferentes classes, com diferentes mecânicas de combate e opções de habilidades, que impactam diretamente a jogabilidade. Em certo momento até pode pensar que alguns parâmetros são arcaicos, como as regras de viagem rápida, as andanças obrigatórias pelo mundo, a forma como o jogo salva, os acampamentos que dependem de itens etc, mas tudo isso passa a fazer sentido quando se entende a real intenção dos desenvolvedores, e se aceita melhor estas imposições tão incomuns.

Talvez minha maior crítica com Dragon’s Dogma 2 seja o ritmo muito lento de sua curva inicial. É um jogo que demora horas para conseguir te convencer de que a experiência é única, e por isso você precisa insistir em prosseguir com a aventura. As três ou quatro horas iniciais o jogo pega muito na mão do jogador e fica lhe tentando ensinar tudo, enquanto jogadores mais experientes querem partir logo para a aventura. Posso dizer assim, o jogo realmente me pegou de verdade somente quando cheguei na primeira grande cidade do jogo, Vermund. E isso leva um certo tempo pra acontecer.

Mais importante do que essa curva é aprender melhor se a sua classe inicial é uma classe que combina com seu estilo de jogo. Se você quer agilidade (ladrão), ou impacto (combatente), ou se quer combater a distância (arqueiro ou mago), tudo isso vai impactar muito seu entusiasmo com a experiencia das batalhas.

No aspecto dos gráficos, posso dizer que Dragon’s Dogma 2 não me surpreendeu tanto assim, mas é um título que tem a atual cara desta geração. Os gráficos não estão defasados, mas para uma experiência de mundo aberto, claramente se percebe algumas limitações. No Xbox Series S, por exemplo, por muitas vezes notei texturas sendo carregadas na minha frente. Mas iluminação, reflexos e sombras, estão bons. Fico com a opinião de que o título entrega uma Direção de Arte bem padrão do gênero de fantasia medieval, sem entregar nenhum ambiente, criatura ou momento que seja surreal, não tive aquela sensação “uau, isso eu nunca tinha visto até então“. É apenas bonito e ponto. Deveria ser o suficiente, eu sei, mas numa indústria tão competitiva, os jogadores estão sempre esperando mais e mais.

Quando observo o que a Capcom tem conseguido fazer com a franquia Monster Hunter, por exemplo, percebo que talvez Dragon’s Dogma ainda precise de mais energia. A forma como Monster Hunter World ganhou o mundo, com uma direção de arte estupenda, e uma jogabilidade super maleável, é possível ver que Dragon’s Dogma ainda está criando esse caminho. Talvez seja uma pena que um segundo jogo tenha demorado tantos anos para ser desenvolvido e lançado, pois potencial para uma grande franquia de fantasia fantástica certamente há!

E tem vários pontos neste lançamento que me agradam, mas que percebo que poderia ser ainda melhor. O mundo do jogo e a forma como sua estrutura o obriga a desbravá-lo é incrível. O ciclo de dia e noite, os perigos distintos, as diferentes rotas que incentivam o jogador a ir por novos caminhos, seus peões que chamam a sua atenção para tesouros a todo momento, tudo na exploração é imersiva e intriga muito quando se está andando pelo mundo. Só lamento que muitos inimigos tenham pontos fixos, e o mundo não tenha tantos eventos aleatórios quando gostaria que houvesse. Fora a ausência de um sistema de escalada, o que torna o mundo repleto de muros invisíveis. Ou seja, tem coisa a se melhorar, mesmo que o resultado aqui já seja totalmente satisfatório.

O combate também tem seus pontos altos, e são muitos, mas também tem os pormenores, que acabam sendo inerentes também ao gênero de RPG, que acabam sempre entregando muitas batalhas que soam repetitivas, após certo tempo de jogo. Ainda prefiro que o combate seja em tempo real, mas gostaria de ter mais opções de ataques e golpes dentro da minha classe favorita, ainda que entenda que o jogo tenha tantas classes diferentes justamente para que o jogador faça tal diversidade saltando entre classes, porém comigo, isso não me agradou tanto assim. Contudo, acho louvável como as classes aqui estão muito melhor calibradas do que as classes que existem no primeiro jogo da franquia. Houve uma observação e uma melhoria significativa nesse sentido.

Ao fim, Dragon’s Dogma 2 é uma experiência apaixonante para os amantes do jogos de aventura fantástica, com ambientação medieval e enormes criaturas. Sua principal proposta é de lhe colocar imerso numa aventura onde você precisa colocar o pé na estrada e lidar com as adversidade que surgirem pelo caminho. E isso o jogo faz com uma competência incrível. Um merecido retorno de uma franquia que talvez em 2012 estivesse fora de seu tempo, mas que em pleno 2024, parece melhor pensado e consolidado dentro de uma comunidade de jogadores que o veem com novos olhos. O que convenhamos, é ótimo!

Galeria

1 / 71

Dando nota

Mundo intrigante, onde sua exploração é parte da essência da jornada - 9
Narrativa não impressiona, sendo apenas a justificativa pela jornada em si - 7.5
Diferentes classes de combate dão versatilidade ao estilo de qualquer jogador - 9
Sistema de peões é muito interessante, incentivando constantes mudanças na equipe do jogador - 8.6
Combate é competente, porém como todo RPG, ainda cria momentos em que você sente a repetição - 8.2
Grande variedade de criaturas fantásticas, de pequeno a grande porte - 8.8
Certos limitadores são criados para que a jornada não seja apressada - 7.2

8.3

Fantástico

Dragon's Dogma 2 é uma imersiva aventura de fantasia num mundo que compele o jogador a colocar o pé na estrada e sair explorando os caminhos e rotas entre distantes vilarejos, dando a possibilidade do jogador assumir diferentes classes de combate, que moldam o seu estilo de luta, assim como apresenta uma interessante estrutura de parceiros, baseado em avatares criados por uma comunidade online. Um RPG de ação único e com um estilo próprio, que cria alguns limites em relação a estruturas da era moderna, em favor da aventura tradicional, onde o mundo é um dos pontos mais importantes da jornada.

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