Análise | Caravan SandWitch
Disponível PlayStation 5, Nintendo Switch & PC
Caravan SandWitch é uma aventura feita para ser vivenciada no tempo de cada um, sem combate, a qual sua meta é encontrar uma irmã perdida num planeta que passa por diversos problemas de recursos naturais, mas onde diversos grupos ainda acreditam que ainda há esperanças para este bioma, com todas as adversidades existentes, e talvez, você, jogador, possa trazer algumas soluções para os problemas apresentados.
O título foi lançado no último dia 12 de setembro, e somente para três plataformas; PlayStation 5, Nintendo Switch e PC. Seu desenvolvimento foi realizado por um estúdio francês, a Planet Toast, com distribuição global da publisher (também francesa), Dear Villagers.
A proposta de Caravan SandWitch se enquadra num jogo de aventura com foco em explorar um mundo aberto, guiado por uma narrativa de empatia social, acionado por uma protagonista em busca de respostas a respeito de uma estranha mensagem recebida de sua irmã desaparecida há muitos anos. A jogabilidade é embalada por uma exploração veicular, em uma Van com diversos recursos para explorar o planeta conhecido como Cigalo.
Caravan SandWitch possui localização em diversos idiomas, incluindo legendas e textos em português. E no caso são apenas textos mesmo, pois a obra não possui áudio para seus diálogos em nenhum idioma – o que dá até uma certa estranheza num jogo que tem a narrativa como um pilar estrutural.
Outro aspecto curioso a respeito dessa localização é que Caravan SandWitch se utiliza para diversos personagens a linguagem neutra, pois os desenvolvedores idealizaram um roteiro inclusivo, feito para todas as pessoas. E isso ocorre em todos os idiomas em que o título foi localizado, ou seja, não é uma particularidade apenas da tradução e adaptação em português. E discutirei isso mais adiante na análise.
Minha van vai pro seu coração
Parafraseando uma clássica música da animação de Steven Universo, o coração e alma de Caravan SandWitch certamente está na Van que Sauge, a protagonista do jogo, pega emprestada de uma velhinha que vive em Cigalo.
A trama gira em torno de Sauge, que por anos esteve morando em uma estação espacial ao redor de Cigalo, até o momento em que ela recebe uma mensagem de sua irmã desaparecida há anos, Garance. Contudo, Sauge possui um passado no planeta, seus pais, e seus amigos de outrora vivem em Cigalo.
Descer até o planeta, rever todos, gera um turbilhão de emoções, enquanto a jovem também passa a ficar a par da situação das comunidades que vivem em certa região. Além disso tem a questão daqueles que aceitaram a perda de Garance, e não lidam muito bem com as suspeitas de Sauge. Há realmente alguma esperança?
Enquanto Sauge tenta descobrir de onde veio o sinal de Garance, ela também passa a se reconectar com os habitantes, aprendendo mais sobre a atual situação de Cigalo, seus problemas e desafios, assim como aceita ajudá-los em algumas tarefas, já que para chegar até onde acha que sua irmã se encontra, se fará necessário explorar a região em busca de materiais para que a Van possa suportar os desafios da jornada até lá.
Com essa premissa narrativa, Caravan SandWitch se ajusta num sistema de jogabilidade que divide as situações em exploração com seu veículo, enquanto sua Van é aprimorada com a progressão da história e coleta de recursos, permitindo assim que o veículo hackeie trancas eletrônicas, ganhe um ganho para puxar estruturas e portões convencionais e até mesmo um sistema de roldanas para que Sauge prenda no veículo e escale o topo de edificações.
Essa, aliás, é o segundo modelo de explorações que o jogo apresenta, onde o jogador entre em grandes prédios abandonados, para coletar recursos e explorar alguns segredos do mundo de Cigalo. Esse modelo de jogabilidade namora uma estrutura de plataforma vertical, onde a personagem atravessas pontes, salta em plataformas, liga estruturas, sobe escadas, afim de chegar ao topo dos edifícios, enquanto apreciam a grande vista do mundo que se apresenta em seus olhos.
Ambos os modelos, veicular e escalada vertical se misturam um pouco após a metade da campanha, quando Sauge precisa ir até o subterrâneo de alguns lugares, o que ela o faz com a Van em certos momentos, e aí você precisa ir com ela até certos locais, subir ao redor, e seguir abrindo portas e trancas para avançar pelo ambiente.
E é importante salientar que Caravan SandWitch é um jogo com uma pegada mais casual e relaxante. Isso se traduz num formato que o jogo não apresenta qualquer tipo de combate. Não há inimigos, não há riscos. É um jogo de exploração narrativa. O desafio apresentado na obra é de explorar para observar o que fazer, como desbloquear certos pontos, afim de avançar na tarefa pretendida.
A campanha é dividida em seis capítulos, sendo que cada capítulo se apresenta com diversas missões, onde normalmente uma destas é a principal, e as demais são secundárias ou opcionais. Contudo, é muito difícil avançar pela história principal sem cumprir algumas destas missões secundárias. Primeiro que para avançar no jogo, é preciso coletar recursos para aprimorar a Van, e uma das maneiras de melhor fazer isso é justamente cumprir essas missões extras.
Inclusive algumas destas missões são temporárias e só podem ser cumpridas dentro do próprio capítulo da campanha. O jogo lhe avisa quais são, pois ao final de cada capítulo, o tempo avança, e alguns dias se passam, e aí as tarefas mudam e algumas não ficam mais disponíveis. Então é sempre ideal cumprir estas temporárias primeiros, enquanto que também há missões sem essa obrigação, que podem ser realizadas a qualquer momento, em qualquer capítulo.
Mesmo que haja missões que precisam ser cumpridas dentro de um capítulo específico, em nenhum momento o jogo lhe pressiona para ir realizá-las. Não tem um tempo certo para elas estando no capítulo em que elas se originarão. É sem pressão mesmo. Inclusive quando se completa a missão principal da capítulo e a história precisa avançar alguns dias, o jogo te alerta que fará isso e ainda te avisa se tem tarefas que serão perdias e se realmente deseja prosseguir.
Simples e objetivo
Caravan SandWitch não é exatamente um título que exija longas explicações sobre seus aspectos de jogabilidade. O pouco mencionado acima, meio que cobre todo o básico sobre a jogabilidade. Explore, ande na Van, observe a paisagens, acompanhe as histórias dos personagens do planeta, colete chips (que são placas de circuitos de eletrônicos abandonados) para aprimorar seu veículo, entenda como entrar nos edifícios, por onde escalar e quais os pontos de interação com os recursos que a Van irá oferecer ao longo da progressão da campanha.
O mundo de Cigalo se comporta como um jogo de mundo aberto, dando liberdade para que o jogador explore a vontade por suas regiões e localidades. Claro que existem alguns pontos em que a travessia acaba sendo bloqueada até que o jogador ganhe algumas destas habilidades com o veículo, porém isso é perceptível com bastante clareza. Aí o jeito é coletar o que der, e voltar ao local em um outro momento.
A exploração também não é feito as cegas, pois o jogo oferece uma mapa que demonstra os limites dessa exploração, ainda que num primeiro momento ele esteja todo encoberto, necessitando que o jogador destrave seus pontos indo até uma torre que parece cortar toda a transmissão de ondas de rádio da região. Ao hackear e desligar a torre, o um pedaço do mapa é liberado para ser apreciado.
Desligando essas torres o jogador também pode ler suas mensagens do comunicador, que são apresentadas numa tela de menu. É nesta tela que parte da narrativa acontece, assim como também se rastreia os locais onde se encontram cada ponto e etapa das missões disponíveis. Em termos de apresentação estética, Caravan SandWitch tem um charme próprio, onde mapa, comunicação e ambientação possuem harmonia e equilíbrio visual.
E a aventura tem esse ritmo entre ver o mundo que vai se apresentando cada vez mais em proporções maiores, aprendendo sobre seus habitantes, suas vidas e desafios, enquanto o passado também é explicado. O que aconteceu, quais os remanescentes do velho mundo e o que aprendemos com isso. Enquanto isso uma sombria figura esgueira as sombras de Sauge, mas isso é uma das surpresas que o jogador tem que descobrir por conta própria.
Considerações finais
Caravan SandWitch é um jogo independente com carisma, que tem uma apresentação que cria um sentimento de tranquilidade, enquanto lhe deixa curioso para saber mais sobre sua proposta, sua história e o mundo que vai se revelar.
A decisão de abrir a aventura dentro de uma estação espacial sem grandes chamarizes parece soar proposital, pois é um ambiente cinza, sem charme, sem vida. São poucos estes minutos iniciais, mas que são suficiente para criar um contraste enorme quando o jogador pisa a Cigalo pela primeira vez.
Nesse sentido, os desenvolvedores acertam na direção de arte e no estilo gráfico, com uma modelagem 3D numa arte cel shading, com aposta em cores vibrantes e poucas linhas pretos para contornos. Dá um ar de desenho animado. Os personagens talvez não sejam tão expressivos assim, contudo são nos cenários e na ambientação que o título ganha vida.
Cenários riquíssimos em detalhes, desde pequenas vilas, em especial a principal, onde os amigos e pais de Sauge vive, que é numa enorme encosta, a qual as casas se equilibram no topo de duas colinas, com bastante arquitetura mais rústica, usando muita madeira, fugindo da atmosfera urbana do concreto, para uma floresta com árvores que cobrem toda a luz solar, e uma vegetação rasteira com diversos detalhes.
Até mesmo os ambientes áridos ou as edificações de concretos de uma civilização abandonada se destacam. O deserto tem dunas e escombros de toda uma era do passado do planeta, enquanto as enormes construções de concreto são um parquinho de exploração em plataforma, com um engenhoso layout arquitetônico. O que dá vida ao jogo sem dúvida é o planeta que se apresenta. Isso porque sequer mencionei o enorme tornado que se apresenta ao fundo do planeta, cujo seu papel faz parte da trama e que, aqui, me abstenho de dar maiores detalhes para não estragar certas surpresas.
Contudo, falando em história, tenho algumas ponderações se ela de fato consegue cativar todo e qualquer jogador. E digo isso por alguns fatores curiosos. A começar pela ausência de vozes para os personagens. Sei que a gravação de áudio para alguns jogos independentes geram um enorme custo aos estúdios menores, e sendo um estúdio francês, contratar uma equipe para colocar vozes em inglês (idioma universal) talvez custasse mais do que poderiam custear. Contudo, ao optar por um jogo com diálogos somente em texto, tem o revés de que é preciso balancear a leitura, um excelente roteiro, e manter o jogador interessado em contexto e trama apresentada.
Dito isso, o começo de Caravan SandWitch é bem confuso e lento. Leva um tempo para criar carisma com alguns personagens, por não entender direito suas intenções ou o que realmente são para a protagonista. A própria Sauge é estranha num primeiro momento, pois existem algumas opções de diálogos em que o jogador pode escolher para a personagem, com linhas mais ríspidas e antipáticas, e outras mais neutras. Dá a entender que a personalidade de Sauge fica a cargo do jogador, mas isso não necessariamente cria um efeito borboleta em como os personagens vão lembrar e reagir a você. Fiquei com a sensação de que não funciona exatamente como deveria.
Além disso, algumas das histórias em torno destas figuras de Cigalo são vão sem melhor apresentadas quando suas missões secundárias se apresentam entre os capítulos da campanha. Por isso volto a dizer que inicialmente leva-se tempo para ter carismas por estes personagens, e a leitura das diálogos se tornam um tanto cansativas.
E aí entra uma questão que mencionei lá no começo deste texto, que diz a respeito a utilização da linguagem neutra para alguns personagens e grupos de habitantes. Veja bem, não acho que a utilização de uma linguagem sem gênero seja algo ruim, até acho interessante sua utilização. Há muitos jogos ou até mesmo livros de ficção que usam seus próprios termos e linguagens, e é muito importante que a sociedade converse para a existência de uma linguagem mais inclusiva ao mundo moderno, contudo, ainda acho que vivemos em tempos em que a contextualização ainda se faz necessária, justamente para vencer barreiras que ainda existem.
A menos que tenha passado desapercebido, talvez ter pulado algum diálogo com algum NPC, mas em nenhum momento o jogo me explica sobre a linguagem de Cigalo, porque alguns grupos usam a linguagem neutra, e em certos momentos voltamos aos pronomes ela/ele. Sauge trata tudo com bastante naturalidade, sabe como falar com todos, mas sendo ela um avatar do jogador, nunca é dado a chance de conversar sobre isso, até mesmo para entender melhor a respeito. Até mesmo com robôs a linguagem sem gênero é utilizada, mas não é mencionado como eles se identificam. Fica muito mais a impressão de que é a uma linguagem natural do planeta, do que algo que é feito pensando na inclusão social. Resulta em algo “é assim e ponto final“.
E sendo um jogo com uma classificação etária relativamente baixa, 10 anos, (e que sinceramente poderia muito bem ser classificação livre) acho que é uma daquelas oportunidades que poderia haver mais diálogo, já que foi o desejo dos desenvolvedores por um roteiro inclusivo. Não vejo qualquer problema uma criança ter contato com a linguagem neutra, mas acho que é preciso contexto. Dizer o porquê destes personagens falarem diferente do que estão aprendendo na escola.
Isso me lembrou de um clássico personagem dos quadrinhos da Disney, o Esquálidus, amigo do Mickey e que sempre colocava a letra P em tudo que falava, usando assim uma linguagem própria. Aos olhos das crianças, imagino que isso se assemelhe, sem o devido contexto. E se estamos falando de inclusão, é sempre interessante abrir o diálogo e não apenas dizer que está aí e pronto.
Não estou dizendo que Caravan SandWitch é um jogo infantil. Não é, mas tem um charme jovem, seja com sua direção de arte, seja com sua jogabilidade casual, criada para servir a qualquer idade. Os temas discutidos pelos habitantes não são 18+, na real são habituais de aventuras espaciais, abordando a vida dura no planeta, laços de família, situações do mundo, passado e presente. Não tem necessariamente temas pesados. Funciona para qualquer idade, crianças, jovens e adultos.
Então assim, é um jogo com carisma, que aposta em elementos casuais, mas ainda assim apresenta uma experiência de jogabilidade que explora habilidade de plataforma e observação, que tem como fator um gameplay mais relaxante, sem gerar pressão pelo tempo decorrido. Numa conjectura em que muitos jogos apostam no elemento da ansiedade dos jogadores, Caravan SandWitch parece pensar justamente na contramão.
Em sua narrativa, contudo, não a enxerguei como um grande ponto de discussão. O roteiro inclusivo é interessante, mais não segura a trama por si só. O elemento do mistério e do suspense leva um tempo pra aparecer, e mesmo assim, não dá a complexidade que muitos jogos indies que apostam em uma história cativante. Nesse sentido, posso pensar em títulos como o excelente Oxenfree, que tem elementos de história e exploração (só que 2D), com zero combate. Nesse sentido, Caravan SandWitch é mais leve, menos complexo ou complicado.
Mesmo assim, acho que é uma experiência válida. Um jogo acolhedor, perfeito para um dia exaustivo do mundo real, onde você quer apenas descansar de tudo. Entre na van, saia dirigindo por aí, coletando recursos, conversando com as pessoas, e acompanham uma história leve, enquanto observa paisagens bem feitas, e se aventura em edificações com bons elementos de plataforma. Simples, objetivo, mas acima de tudo, que funciona em sua essência.
Galeria
Dando nota
Há uma boa apresentação da aventura, mas leva um tempo para convencer o jogador a seu respeito - 7.5
Exploração do mundo com a Van é bem idealizada e divertida - 8.5
Jogabilidade também manda bem quando se explora os edifícios abandonados do mundo - 8.5
Jogue no seu tempo, sem pressa, mas atento as missões que só podem ser realizadas dentro de cada um dos capítulos de história - 8
Direção de arte muito competente, com ambientes rico em detalhes, que dão alma ao jogo - 8.5
Diálogos apenas em texto, sem áudio, somado a utilização da linguagem neutra são um dos pontos fracos no contexto da imersão - 6
Talvez simples demais? Sem combate, somente explorar, coletar itens e acompanha a narrativa - 7
7.7
Bom
Caravan SandWitch é um jogo independente que tem como proposta entregar ao jogador uma aventura calma e relaxante, numa planeta que passa por desafios e dificuldades, mas nunca com um senso de urgência. Uma aventura de exploração com veículo e plataforma vertical em um pequeno mundo aberto, sem qualquer sistema de combate. O desafio está em coletar recursos e melhorar a sua van, enquanto se acompanha um mistério a respeito de uma irmã desaparecida. Entrega uma bela direção de arte, contudo os diálogos apenas em texto, sem voz, reduzem um pouco o carisma que alguns personagens deveriam ter. O roteiro inclusivo, feito em todos os idiomas localizados, entrega muitos diálogos em linguagem neutra, o que não vejo como um problema, contudo poderia ter um melhor debate ou contexto a seu respeito. O resultado final é uma experiência relaxante, sem pressa para ser concluída, mas que não entrega uma grande narrativa como pretendida.