Análise | Life is Strange: Double Exposure
Disponível para PlayStation, Xbox, Nintendo Switch & PC
Life is Strange: Double Exposure é um resgate as origens do universo da franquia, dando continuidade a história de Max Caulfield, 10 anos após à tragédia de Arcadia Bay, respeitando o fato de que a aventura de 2015 tem dois finais, e se encaixando perfeitamente em ambos. Novamente tempo, perda, suspeitas e poderes sobrenaturais apresentam ao jogador dilemas que trarão consequências a trama e seus personagens, de acordo com suas decisões. Será que Max aprendeu que mexer com o tempo sempre trará um preço a ser pago?
A nova aventura narrativa foi lançada, em 29 de outubro para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC, e também foi disponibilizada ontem, 19 de novembro, para o Nintendo Switch, completando assim a jornada de estar presente em todas as atuais plataformas da indústria. O título possui localização em português, por meio de menus e legendas para todos os diálogos, mantendo o áudio das vozes dos personagens no original em inglês.
Também cabe pontuar algumas questões em torno do desenvolvimento desta nova aventura. O retorno de Max, protagonista do jogo original, lançado em 2015, não ocorre pelas mãos do mesmo estúdio que criou esse universo, ou de seus criadores. Life is Strange: Double Exposure foi desenvolvido pela Deck Nine, que também desenvolveu o prequel Before the Storm (2017) e a excelente série derivada True Colors (2021).
Então entenda, sim esse retorno às origens, com Max Caulfield, vem de uma equipe que entende o DNA da franquia e que já tem trabalhado nestes jogos ao longo dos últimos anos. Isso ocorre porque em parte, a Don’t Nod Entertainment, estúdio responsável pelo jogo original passou a trabalhar com IPs próprias, encerrando a parceria com a Square Enix, que é detentora dos direitos de Life is Strange. O último jogo da franquia com os criadores originais foi Life is Strange 2 (2018), que apresentou novos protagonistas, mas que não tiveram o mesmo sucesso e repercussão que os protagonistas da obra original.
E sabe-se que na época, os produtores conversaram muito com a comunidade sobre o fato de não voltarem para a história de Max e Chloe, optando por contar novas histórias, e apresentar novos personagens, num mesmo universo. Sempre houve a questão de respeitar a escolha do jogador para com o final do jogo original, que entrega dois finais bem distintos – a qual prefiro não explicar em detalhes aqui – mas que envolve entre você ter que escolher entre a vida de todas as pessoas de uma cidade ou da pessoa que motivou tudo que se desenrola no primeiro jogo. Os produtores sempre disseram que a história que eles queriam contar para estes personagens se encontra ali, no obra original.
Com isso em mente, penso que a Square Enix e a Deck Nine, souberam respeitar esse conceito por tempo o suficiente, até encontrarem algo que justificasse o retorno de Max, sem que isso manchasse o passado, e até mesmo as escolhas dos jogadores para ambos os finais do primeiro jogo. Double Exposure respeita esse legado e não tenta em nenhum momento manchar o passado do primeiro jogo, nem mesmo desconstruir personagens ou o universo da franquia. Há muito respeito nos pilares e o que é apresentado aqui, dita o futuro, sem mudar qualquer vírgula do passado criado. E isso é importantíssimo, pois respeita muito o trabalho da obra original.
Tanto é, que Michel Koch, um dos criadores originais da franquia, chegou a comentar no Twitter que rever Max, agora crescida, lhe pareceu interessante, assim como também defendeu que não rolasse mensagens de ódio contra os atuais desenvolvedores, reforçando que a toxidade que as vezes pode existir na internet, nunca é uma boa coisa. Críticas pode ser feitas? Claro, mas sempre com argumentos válidos.
Acho que isso demonstra que não há rancor contra a Square Enix e nem mesmo contra o atual estúdio da franquia, a Deck Nine. A Indústria é assim, e acho que é sábio entender isso. Tanto é que a Don’t Nod decidiu adiar em alguns meses sua nova IP, Lost Records: Bloom & Rage, que tem um sabor de sucessor espiritual do estúdio para Life is Strange, para o começo de 2025. Justamente para não precisar concorrer diretamente com o lançamento de Double Exposure. Uma ideia sensata, acredito.
Com isso, acho que os fãs ganham em dobro. Temos o universo de Life is Strange em uma casa que não é nova, pois a Deck Nine já tem trabalhado com seus títulos há alguns anos, e que, ao resgatar Max, assume de vez o comando do universo da franquia. E é justo, pois provou ser capaz. Enquanto isso, os criadores originais seguem em uma nova jornada, criando novos personagens e um novo universo. Acredito que fãs saberão apreciar ambas as iniciativas.
Paradoxo da perda
Como já mencionado Life is Strange: Double Exposure tem como a difícil missão reintroduzir Max Caufield no universo da franquia, trazendo uma nova aventura, 10 anos após o pesadelo de Arcadia Bay, quando a jovem, com 18 anos na época, descobre que tinha a super habilidade de rebobinar o tempo.
A primeira aventura de Max é sobre a descoberta de seus super poderes e o preço que se paga quando se manipula o tempo, mesmo que seja com boas intenções. Há sempre um preço a se pagar, sempre um revés. Lá, tudo começa quando Max salva a vida de Chloe, quando a mesma é baleada no banheiro da escola. Salvá-la descarrilha inúmeros eventos que coloca a vida de toda a cidade em risco. E ao jogador resta a difícil decisão: se salvar Chloe custará a vida de todos de Arcadia Bay, este é um preço que você pagaria?
Tudo no jogo original é sobre causa e efeito. Rebobinar, escolher diferentes decisões e arcar qual suas escolhas, manipular a vida, de forma que se consiga agradar as pessoas, ou lhe favorecer em detrimento de seus desejos pessoais. Custo e ganho. Uma trama que cabe dentro da turbulenta vida escolar, de um adolescente e suas muitas dúvidas.
Contudo, Arcadia Bay ficou no passado. Independente da sua decisão, 10 anos se passaram, e Max cresceu. Se tornou professora. E quanto a Chloe… bem, ela também está no passado, independente do que você decidiu lá no jogo original. O final do primeiro Life is Strange é amargo (e por isso é genial), independente do que você decidiu lá atrás, e o fantasma dessa decisão, seja qual for, ainda assombra Max, que resolveu há muito tempo, de que não deveria mais usar seus poderes de rebobinar o tempo.
A trama de Double Exposure se passa em Lakeport, no nordeste dos Estados Unidos, quase que do outro lado do país em relação aos eventos do primeiro jogo. Max viajou muito, e para bem longe de tudo que ocorreu em Arcadia Bay. Recomeçou sua vida, conheceu novas pessoas e agora parece estar pronta para tentar se relacionar amorosamente com novas pessoas. E Max tem melhores amigos novamente, que ajudam ela a encontrar a alegria do dia a dia, mais uma vez.
Isso até uma fatídica noite, quando sua amiga Safi é misteriosamente assassinada, com um tiro, na colina do observatório da universidade que Max dá aula. Um evento repleto de sinais estranhos, Max volta a ter dores de cabeça, e sangramento nasal, tal qual os dias em que usava seu poder. A morte de sua atual melhor amiga coloca dúvidas e mistérios sobre o que realmente aconteceu. Quem poderia querer matar Safi?
O jogo tem início como uma narrativa investigativa, enquanto Max luta com o sentimento de perda. E nesse aspecto, o título trabalha muito bem a sensação do luto, especialmente com Moses, amigo de Max e Safi. Alguns dos momentos com Moses, próximo ao final do jogo, é de cortar o coração, e passa perfeitamente a sensação de solidão que uma morte traz ao coração de uma pessoa. Já Max, lida com a perda buscando respostas sobre quem matou Safi, até que algo inesperado ocorre: ela descobre que pode andar entre uma realidade em que Safi não foi assassinada!
Existe uma certa confusão da protagonista neste ponto da história. Isso não é exatamente viajar no tempo. Ela não consegue mais rebobinar o tempo, então o que diabos está acontecendo? Que habilidade é essa? É neste ponto que a característica sobrenatural, presente em toda a franquia Life is Strange, dá suas caras. O jogador então passa a pular entre suas realidades, com eventos distintos acontecendo ao mesmo tempo.
Max então passa a lidar com a perde de uma forma inusitada. Ela ainda sente a perda a amiga em sua realidade original, mas também descobre que Safi está sendo ameaçada na nova realidade. Será que são tempos diferentes e Max viajou para uma realidade em que deve impedir que Safi seja assassinada? Pode a história da amiga estar conectada em ambas as realidades?
Life is Strange: Double Exposure consegue criar uma narrativa intrigante, pois se no primeiro jogo era sobre manipular a vida, e manter Chloe viva, aqui temos o paradoxo da perda, a qual a morte de Safi é irreversível, mas ao mesmo tempo, há uma outra Safi vivendo em outra realidade. Como Max pode lidar com ambas as realidades, como pode sentir o luto pela amiga que se foi, enquanto sua outra versão talvez esteja correndo perigo? É seguro voltar a usar essa nova habilidade? Qual o preço que Max terá que pagar desta vez?
Entre realidades
Quando se observa para as mecânicas e para a jogabilidade de Life is Strange: Double Exposure é visível que os verbos tradicionais da franquia estão presentes por aqui. O jogador assunto o controle de Max, enquanto anda por cenários pré-definidos, em que existe uma semi liberdade para serem explorados, a ponto de ouvir o que NPCs estão conversando, interagir com alguns, assim como encontrar alguns colecionáveis que estão presente entre os capítulos de história, em forma de fotos polaroides encontradas pelos ambientes do jogo.
Alguns elementos estruturais dessa jogabilidade continuam presentes aqui na aventura, como, por exemplo, os muitos cartazes e folhetos espalhados por todos os locais, que muitas vezes não acrescentam em nada na narrativa, mas são uma forma de permitir explorar o mundo, as pessoas e o contexto do ambiente ao redor. Propagandas, folhetos de festas, capas de revistas e livros, assim como recados da universidade são alguns dos exemplos desses itens de interação de ambiente.
Além disso há diversos objetos e pessoas a qual o jogador irá interagir e que servirá apenas para ilustrar o que Max está pensando da pessoa, objeto ou situação em si. Isso porque a interação do mundo, neste formato, permite que a aventura não seja assim tão linear, dando liberdade para que você escolha se quer saber mais sobre o universo ao redor, ou ir direto ao ponto, já que quase sempre seus objetivos e pontos de interesses são bem óbvios dentro da narrativa.
Em certos momentos, Max também precisa pensar um pouco. Um personagem por lhe apresentar um pedido ou problema a ser resolvido, e então cabe ao jogador averiguar como pode solucionar o enigma apresentado. Seja explorando ao redor, vendo os pontos de interação, seja precisando conversar com outras pessoas. Por exemplo, em certo momento Max está em uma biblioteca e um personagem pede que ela lhe ajuda a conseguir um livro que está dentro de um armário trancado.
O jogador pode conseguir um objeto para arrombar o armário e dar continuidade a missão, contudo, se explorar um pouco, há uma cópia do livro que a pessoa deseja em outra prateleira, e você tentar entregá-lo para a esta cópia para ela, sem que chegue a arrombar o armário. Fazer isso é totalmente opcional, mas se fizer, saberá que não é exatamente qualquer cópia que a pessoa deseja, e sim a que está especificamente dentro do armário, o que lhe dará mais um pista narrativa dentro da trama.
A mecânica ao longo de todo a campanha segue esse formato. Ande, explore um pouco, pesque curiosidades aleatórias aqui e ali, e converse com as pessoas que importam para que a narrativa dê continuidade. E deste formato entra a árvore de escolhas de respostas e suas consequências. Nem toda resposta irá gerar uma consequência futura, e quando gerar o jogo irá lhe alertar (após ter decidido o que dizer, não antes). Diferentes respostas criam diferentes reações entre certos personagens, e dentre as consequências possíveis, está em alguns passarem a gostar ou ou menos de Max, o que irá ter relevância em certos pontos futuros da trama, quando os atos do jogador irão refletir nos acontecimentos finais.
Esse sistema de escolhas e respostas permite que o jogador tenha uma sensação de refletir suas convicções naquilo que ele acredita que Max deva dizer ou agir. Claro que é um espectro limitado. Não é possível sair do roteiro preestabelecido em certos caminhos narrativos. Se Max precisa escolher entre duas alternativas ruins, você ainda precisa escolher. Não dá pra inventar uma terceira decisão do nada. O roteiro é criado para ser maleável dentro de alguns padrões, então muitos eventos chaves precisão ocorrer, independente das decisões e atitudes do jogador, que mesmo que seja o condutor da história, não pode sair do caminho em que o GPS está lhe mandando ir.
A grande reviravolta na jogabilidade de Life is Strange: Double Exposure fica a cargo dos atuais poderes de Max, que permite que ela troque entre duas realidades específicas. Uma realidade Safi morreu de forma misteriosa, possivelmente assassinada, e na outra realidade, em que a moça está viva, há um receio de que alguém está lhe ameaçando. Estas são as realidades em que o jogador irá navegar. Não dá para sair criando realidades, ou até mesmo rebobinando o tempo como no jogo original. Aqui o que você decidir, está decidido. O que Max pode fazer é alternar entre realidades que estão acontecendo em tempo real a trama.
Essa mecânica permite alguns truques interessantes para Max investigar os mistérios das realidades. Por exemplo, se tem duas pessoas conversando, mas que param quando observam Max por perto, ela pode simplesmente alternar para a outra realidade, e ouvir o espectro destas mesmas pessoas através da outra realidade. O jogador tem um botão no controle que permite que Max “pulse” a realidade em que em ela não está, permitindo que veja os vultos e vozes de quem está do outro lado, e o que estão fazendo.
Já a troca entre realidade, que ocorre em tempo real no jogo, sem loading ou lentidão, o que tecnicamente é muito maneiro, só pode acontecer em pontos específicos de cada um dos ambientes em que Max se encontra. Então não dá pra alternar em qualquer lugar, a qualquer momento. Mas o jogo é generoso em permitir diferentes pontos de troca em áreas maiores do jogo, como o pátio da universidade, que é uma imensa área circular com o lago congelado ao meio (e é uma decepção que em nenhum momento Max patine no lago).
Essa troca de realidade também funciona como uma mecânica narrativa em alguns momentos. Para exemplificar, há um ponto da trama em que ela precisa invadir uma sala, contudo, na realidade em que se encontra a sala está fechada, sendo impossível abrir. Então o jogador pulsa entre a realidade que não está, e verifica que esta mesma sala não está trancada na outra realidade. Então você troca de realidade e visita a sala desta forma. Percebe que a exploração acaba se tornando duplicada quando essa mecânica é apresentada? São dois ambientes, que são iguais, mas tem diversos pontos de interação narrativa distintos.
Talvez você que esteja lendo isso possa pensar que essa mecânica de ficar trocando e andando pelas mesmas áreas em realidades diferentes vá acabar soando maçante em certo ponto da aventura. Admito que isso também passou pela minha cabeça, mas no final, até que não. Os objetivos e tarefas são bem claras, nomeando as realidades ente Viva e Morta (a Safi) e descreve o que você deve fazer em cada uma delas. Tem que falar com Moses? A tarefa descreve em qual realidade o jogador deve realizar isso. É um detalhe pequeno, mas torna a dinâmica mais ligeira e objetiva.
Por sinal, a direção de arte do jogo mandou bem nesse conceito de duas dimensões ocorrendo em paralelo e simultaneamente. Na realidade em que Safi morreu, os personagens estão abatidos, cancelaram até mesmo os eventos de natal, período em que se passa a história, o filtro dessa realidade é meio azulado, dando um ar triste. Já a realidade em que Safi pode estar com problemas, a vida segue normalmente e toda a faculdade está em ritmo de natal, com decorações por todo o campus, e o filtro é amarelado, dando aquela sensação da emoção quente, acolhedora. É um aspecto visual muito importante para a imersão narrativa.
Por fim, não seria um jogo do universo de Life is Strange se o jogo não tivesse uma trilha sonora de qualidade, que dá emoção e empatia dentro de cada um dos momentos em que uma canção precisa ilustrar um momento de reflexão, quando os sentimentos precisam ser alinhados com o que a trama está lhe apresentando. Max continua tendo momentos opcionais dentro da história, onde ela apenas senta, reflete sobre os eventos que presenciou, suas emoções ou até mesmo histórias de seu passado, entre os anos do primeiro e deste jogo.
Sendo assim, em termos de jogabilidade, Life is Strange: Double Exposure segue a fórmula da série, desde o formato a qual a história é contada, ao trejeitos da jogabilidade e dos pontos interativos, assim como da linha de opções de diálogos, e uma nova mecânica de poder sobrenatural que está inserida com forte significância a narrativa criada. Tudo funciona bem, e você sente que está jogado um jogo com a identidade e cara que já está presente nos demais títulos da franquia.
Considerações finais
O maior mérito de Life is Strange: Double Exposure certamente é conseguir honrar o legado das origens da franquia em relação as decisões do jogador, assim como a história de Max, que permanece fiel às suas convicções, mas que também leva em consideração que ela não é mais aquela jovem de 18 anos.
Max adulta está mais madura, muitas vezes mais sábia, e entende as repercussões de seus atos muito melhor, sendo uma sobrevivente do incidente de 10 anos atrás, a qual inclusive a nova narrativa não deixa de pontuar o trauma que ela sofreu com a situação de abuso e sequestro que o primeiro jogo tem perto de seu desfecho. E está correto, afinal esse é um tipo de trauma que as pessoas tendem a levar pro resto da vida, como uma cicatriz.
No que diz respeito ao roteiro de Double Exposure, sem spoilers, posso dizer que gostei dos temas e da condução da narrativa. A Deck Nine entende a essência da fórmula de Life is Strange, e tem um bom dedo para criar personagens envolventes, que entregam dilemas e aspectos que tem bons tons de realismo, a qual pessoas podem se reconhecer ou pensar que conhecem pessoas exatamente com tais traços de personalidade.
Safi e Moses são personagens interessantíssimos, um pelo sarcasmo que mascara suas decepções e indignações, outro pelo fato de ser muito inteligente e sentir a perda da amiga, e sofre com o luto e a mudança de seu mundo. É muito difícil não se sensibilizar com Moses, enquanto que Safi, bem com ela, imagino que as pessoas vão se sentir divididas, ainda que ela tenha sim pontos que fazem total sentido para os atos e ações que levam a sua morte em uma das realidades e o assédio que está sofrendo no outro.
Até mesmo o personagens Lucas, também professor da faculdade, a narrativa te conduz a odiá-lo logo de cara, mas conforme mais se descobre sobre isso, fica claro que o mundo não é preto e branco como sempre somos levados a crer e até mesmo alguém que parece um aproveitador tem aspectos de sua vida particular que o tornam mais humano do que você gostaria de admitir que ele pode ser.
Quanto ao fim, e novamente, sem qualquer spoiler, saio satisfeito da experiência que o jogo me proporcionou. Contudo, também preciso dizer POR ENQUANTO, pois a aventura não termina com todos os pontos finais necessários, e afirma, categoricamente, que este não é o final por definitivo, num gesto, sem vergonha nenhuma, tirado de um modelo de final de filme do Universo Cinemático Mavel: “Fulano irá retornar“. Sinceramente, esse 1 segundo de tela me parece totalmente desnecessário, e até boboca, mas não compromete o roteiro proposto aqui, nesta aventura.
Claro que olhando para alguns momentos pontuais da história, fica claro que nem tudo é explicado. Posso citar, sem contar demais, que o desfecho com o personagem Alderman é bem insatisfatório, no sentido de que a ameaça que cria nesse momento, nunca mais é replicado, e o evento em si ocorre de uma maneira bem mal explicada ou contextualizada. E ainda que todo o reflexo posterior, acabe sendo explicado em mensagens de texto entre outros personagens, nada é resolvido por definitivo. O que ocorreu, e como ocorreu. Ao fim, depois de tudo que o jogador aprende sobre Max, fica a sensação de que aquele fenômeno não foi causado por ela. E se foi, é um erro de roteiro, pois em nenhum outro momento há algum indício de que ela consegue replicar isso.
Enfim, seguindo adiante nestas considerações finais, também preciso pontuar alguns outros aspectos. Gosto, por exemplo, que o jogo tenha localização em português por meio de legendas, mas admito que o jogo seria muito mais imersivo se conseguisse apresentar dublagem em nosso idioma. E dito isso pelas experiências que tive nestes últimos anos com alguns jogos narrativos da Supermassive Games, como The Quarry e Until Dawn. Penso que já está na hora da comunidade brasileira começar a cobrar da Square Enix por esse tipo de localização em jogos narrativos. Faz muita diferença em nosso mercado.
Em outros aspectos, como jogabilidade, não tenho muitos pontos a criticar não. Senti que tudo funciona muito bem, desde a mobilidade, quanto as interações propostas. Por exemplo, não encontrei problema com diálogos cortados, que tendem a ocorrer em jogos assim quando o jogador se move antes da hora ou inicia outra interação sem querer. O jogo consegue levar bem, por exemplo, situações onde você está conversando com um NPC e tem outros ao lado conversando. A legenda inclusive aparece para ambos os diálogos. Claro que é complicado ler ambos, mas é melhor que haja tal opção.
Talvez uma crítica válida que posso ser realizada em torno desta nova aventura, seja em relação aos dilemas das decisões de ponto de direção narrativa. As principais escolhas dentro do jogo que criam consequências maiores em relação aos eventos futuros da história. Ao terminar o título, fiquei com a impressão de que boa parte das decisões não foram difíceis, sem mencionar que não fiquei curioso para retornar e escolher algo diferente em nenhum momento.
Isso porque muitas decisões parecem estar relacionada a você querer que personagem X ou Y goste de você, e o impacto que isso irá causar perto do fim, quando você pode vir a ter o apoio destes personagens, a depender de como eles se sentem em relação a Max. Contudo, talvez seja uma conveniência de roteiro, mas no final, você dá seu jeito, independente do que decidiu ao longo do jogo.
E certamente esse peso das decisões é pequeno porque no fim, Double Exposure parece ter apenas um final. Você ainda vai ter que tomar uma decisão no desfecho final, mas está longe de ter o impacto do fim do jogo original. A decisão apenas diz respeito de como o grupo de personagens irá se sentir no final de tudo, enquanto sua decisão em si, parece que terá um impacto muito maior num futuro incerto da franquia. Se forem estes os planos dos desenvolvedores, o que no ato de publicação desta análise, ainda é altamente incerto. Os fãs terão que aguardar para descobrir.
No departamento de bugs, jogando o título no Xbox Series S, encontrei um momento da campanha em que o jogo ficou crashando sempre no mesmo momento, em uma transição de área, quando Max passava da área externa da universidade para a interna. Depois de três tentativas em que isso ocorreu, resolvi realizar alguns diálogos extras na área de fora e entrar no local por outra porta. Isso resolveu o bug. Depois disso não tive outro problema e até mesmo quando entrei posteriormente na porta em que isso aconteceu, a transição de áreas ocorreu normalmente.
Quanto a performance no Xbox Series S, o jogo tem uma performance razoável, mas tem lá seus momentos em que texturas se ajeitam ao seu redor, contudo, não é uma situação exclusiva deste título. Tenho percebido já não é deste lançamento que a versão mais fraquinha do Series tem tido alguns destes problemas de performance. No geral não compromete a experiência do jogo, mas é perceptível. Até mesmo a taxa de quadros você percebe que engasga um pouquinho, nada terrível, mas novamente, é perceptível.
Por fim, saio desta experiência com a impressão de que Life is Strange: Double Exposure entrega tudo que promete. Estou dividido em dizer que é o melhor título que a Deck Nine já produziu na franquia, isso porque tem o True Colors nessa conta, que é um jogo que surpreende exatamente por ser muito bom. E o mérito de Double Exposure é diferente, porque aqui é o sentimento da nostalgia que vence, de rever Max, porque a história original dela ainda é a melhor que a franquia conseguiu criar. Então o apelo sentimental é diferente.
Gostei muito de como Double Exposure cria momentos de impacto narrativo. Destes em que você coloca a mão na cabeça e fica perplexo: Não, tudo vai acontecer de novo! E o mérito disso não é necessariamente do jogo, mas do legado que o primeiro criou. Talvez por isso, como produto original, a Deck Nine ainda tenha True Colors como sua melhor obra. Mas ambos os jogos estão bem próximos em termos de imersão e diversão. Imagino que os fãs do universo de Life is Strange não tem do que reclamar. E por enquanto, acredito que a franquia está num caminho interessante e divertido. Que continue assim. Com ou sem Max Cauldfield.
Galeria
Dando nota
Max Caufield faz um belo retorno, 10 anos mais velha, em uma narativa que consegue envolver novamente os fãs - 9.5
Alternar entre realidades não é tão incrível como rebobinar o tempo, funciona dentro da narrativa e renova a jogabilidade - 8.5
Decisões e suas consequências não parecem ter o mesmo impacto desta vez - 7.5
Jogabilidade se mantém fiel a franquia, desde as muitas interações e mundo repleto de contexto e curiosidades - 8.8
Belo trabalhar com as vozes originais, assim como a trilha sonora continua bem selecionada, como todo jogo da franquia - 8.8
História é envolvente, assim como os novos personagens são interessantes, cativantes e instigantes - 8.8
Mistério é bem construido, assim como os elementos de ficção científica em torno dos atuais poderes de Max - 9
8.7
Ótimo
Life is Strange: Double Exposure traz de volta uma das mais importantes personagens de toda a franquia, e agora sob a tutoria do atual estúdio que cuida de todos os atuais jogos da série, que soube respeitar todo o legado da personagem, assim como respeita o final duplo do jogo original, que funciona na nova aventura, independente do que o jogador escolheu na narrativa original. A nova trama consegue envolver o jogador, enquanto apresenta uma Max mais madura, ciente de que usar seus (novos?) poderes pode novamente ter um alto preço a se pagar. A nova aventura apresenta um elenco cativante, enquanto mantém a jogabilidade característica da série, enquanto a mecânica de alternar entre realidades introduz diferentes possibilidades de entrar no ritmo da nova narrativa. Um jogo que promete um ponto de virada na franquia, cujo o futuro ainda não foi revelado.