Análise | Lost Records: Bloom & Rage (Tape 1)

Disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S & PC

Lost Records: Bloom & Rage é uma aventura narrativa dos mesmos criadores de Life is Strange, trazendo dramas juvenis em meio a eventos sobrenaturais, a qual escolhas e decisões tomadas pelo jogador levam a consequências dentro da trama sendo construída. Um sucessor espiritual, um novo selo de aventuras, tudo tem início aqui, com quatro garotas vivendo um estranho verão em 1995.

Desenvolvido (e publicado) de forma totalmente independente pela Don’t Nod, pela sede de Montreal, desta vez a IP pertence ao próprio estúdio, bem diferente do que ocorre com Life is Strange, cujo os direitos pertencem a Square Enix. Recentemente falei um pouco a respeito destas mudanças quando escrevi a análise de Life is Strange: Double Exposure. O que vale pontuar é que Lost Records é dos mesmos criadores, que hoje em dia não estão mais cuidando do universo de Life is Strange. E podemos considerar que esta nova IP é uma espécie de sucessor espiritual.

Bloom & Rage foi lançado no último dia 18 de fevereiro, chegando ao PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC. No momento não há informações se o estúdio pretende lançar o jogo em consoles da geração passada, PS4 e Xbox One, e nem mesmo se consideram uma versão para o Nintendo Switch (ainda mais com o iminente lançamento de seu sucessor).

Também é importante mencionar que Lost Records: Bloom & Rage está sendo lançado num único pacote, ou seja, num único preço, porém o jogo está sendo dividido em dois capítulos, sendo que o segundo episódio está para ser lançado no próximo dia 15 de abril. Quem adquiriu o jogo só terá acesso a esta segunda parte por meio de uma atualização gratuita na data mencionada.

Estes episódios estão divididos em duas fitas (tapes) denominadas em Tape 1: Bloom e Tape 2: Rage. Esta análise cobre apenas os eventos da primeira fita, sua história e as mecânicas apresentadas até aqui. A conclusão da história, assim como todo o conteúdo da segunda parte permanecerão um mistério até meados de abril, quando o acesso ao resto do conteúdo será liberado.

Por último, também é interessante mencionar que Lost Records: Bloom & Rage chega ao nosso mercado com um ótimo trabalho de localização em português. O jogo não está dublado, apresentando as vozes somente em inglês, porém todos os diálogos possuem legendas. Não só isso, mas todos os bilhetes e documentos encontrados pelo jogador também possuem uma caixa de texto em português, assim como todos os menus. Também gosto que as opções de legendas permitem algumas opções de acessibilidade, como mudança no tamanho e cores.

Verão de 1995

Um dos principais elementos de jogos narrativos com interação, como ocorre em Lost Records: Bloom & Rage, é que boa parte do tempo o jogador irá acompanhar uma história. Personagens conversando, cenas e eventos que boa parte da interação advém da escolha entre linhas de diálogos que podem ou não gerar alguma consequência narrativa. Esse aspecto é grande parte da aventura.

Quando não se está assistindo, esperando alguma interação de diálogo, se está explorando um cenário, olhando documentos, objetos e conversando com alguns personagens, procurando como engatilhar o próximo evento de história. Vez ou outra pode existir algum puzzle, mas é sempre muito simples, para impedir que a narrativa trave por conta de uma ação incompreensiva.

Lost Records: Bloom & Rage acompanha uma história de quatro garotas num verão em 1995, mas não diretamente no passado. Na verdade, a narrativa tem início nos anos atuais, com uma personagem chamada Swann Holloway, uma destas quatro garotas. Swann está de volta a sua cidade natal, para encontrar uma velha amiga, a quem não tem contato há anos. Ela parece insegura e apreensiva com essa situação.

Logo que tem início a trama, fica claro que algo aconteceu naquele verão, mas Swann não consegue dizer direito o que aconteceu. Como tudo começou. Até que uma destas amigas a encontra e ambas começam a discutir sobre o passado. Aquele verão onde todas se conheceram, onde Swann estava prestes a mudar de cidade.

O jogador irá sempre controlar e tomar as decisões em torno de Swann. Você nunca assume a perspectiva de nenhuma das outras garotas. Ao menos não nesta primeira fita (e não há indícios que a fita 2 fará diferente). As demais garotas são Autumn Lockhart, Nora Malakian e Kathryn “Kat” Mikaelsen. E esta é a história de como todas se tornaram amigas de Swann.

Basicamente é uma história sobre quatro garotas “outsiders“, um termo que em nosso idioma está mais direcionado ao jovem deslocado de outros da sua idade, considerado estranho, que não se encaixa socialmente direito em seu grupo etário. Swann é uma garota que sofre bullying na escola, por estar um pouco acima do peso, tem uma baixa auto estima, além de ser introvertida. Ela vive dentro de seu próprio mundo, de fantasia, apaixonada por cinema, contos, e vive com sua filmadora, gravando seu próprio mundo.

Nora e Autumn no ponto em que a trama se apresenta, já demonstram ser amigas há um bom tempo. Ambas são meio punk, possuem uma banda (de duas garotas), mas não tocam tão bem assim, sendo mais aquela punk rock barulhento, que ainda tem muito a ser apreendido. Nora é a garota louca de tudo, desbocada, impulsiva, mas que parece reconhecer boas pessoas, e tratá-las bem. Autumn é a mais centrada do grupo, já tem um emprego de meio expediente, e parece ser quem segura um pouco as rédeas de Nora.

Kat, num primeiro momento parece ser a pequena valentona do grupo, mas que logo fica claro que ela tem alguns problemas com sua família, com seus pais e com uma irmã mais velha e seu namorado, a qual ela não gosta nem um pouco. É uma garota feroz, mas sensível, adora escrever, especialmente poemas. Guarda para dentro de si certos sentimentos de angústia e mágoas.

Acredito que descobrir como o destino de cada uma das garotas se entrelaçou é um evento que vale a pena ser descoberto jogando, então vou me abster de dar maiores detalhes aqui. O que importa é que elas se conheceram em meio uma tensa situação, criaram um vínculo especial e, por conta disso começaram a dividir alguns interesses em comum.

Quanto ao evento sobrenatural, que também é parte da fórmula proposta pelo estúdio para estes jogos, a primeira fita ainda não deixa muito claro o que está acontecendo ou quais as consequências narrativas disso. O que dá para dizer aqui, sem estragar a surpresa de qualquer um que resolver se aventurar, é que as garotas encontram uma estranha cabana na floresta, que está trancada por dentro, com símbolos e uma misteriosa áurea. Obviamente a cabana esconde algum mistério.

Perto da reta final do capítulo, outro evento sobrenatural na floresta também irá criar muita conjectura até o lançamento do episódio final, no próximo mês. Daqui não direito nada, ainda que goste muito como o evento irá representar o desejo emocional de cada garota, naquele ponto do passado em 1995. Há um efeito aqui, mas novamente, a fita 1 não deixa nada claro.

A proposta narrativa da Tape 1: Bloom, é apresentar Swann, Nora, Autumn e Kat. Suas personalidades, seus receios, seus conflitos internos. É uma trama bem juvenil, sobre jovens em processo de amadurecimento e crescimento. Sobre a amizade, mas também sobre mudanças, inseguranças e até mesmo um pouco de solidão. E como esse verão mudou a vida de de todas, ainda que a Fita 1 não diga muito bem como isso ocorreu.

O fato da história acontecer nos dias atuais, com Swann já adulta, relembrando os eventos desse passado, gera uma certa expectativa para o jogador. O que aconteceu com as demais garotas desse verão? Quem Swann adulta irá encontrar e quem não estará presente nessa reunião? E por que? Essa reunião ocorre porque uma delas recebeu um misterioso pacote, indicando justamente os eventos de 1995… mas o que há no pacote? Novamente, nada é respondido nesta primeira fita.

Pegue sua filmadora

Entrando no departamento da jogabilidade em si, deixando de olhar um pouco para a narrativa, Lost Records: Bloom & Rage entrega alguns elementos simples, dada a proposta de seu gênero, permitindo que o jogador explore alguns ambientes, de forma mais livre, interagindo com alguns objetivos e ativando lembranças da protagonista que vão contando mais da história.

Contudo, quando se volta a pensar na franquia Life is Strange, a qual este título sofre forte influência, há que pensar que lá são jogos que utilizam o elemento sobrenatural para permitir certos elementos dentro do gameplay para apimentar a proposta, seja retroceder o tempo, conceder força descomunal, ver auras por meio de cores, movimentar entre realidades ou expandir a visão criativa de uma criança. Porém, diferente da citada franquia, esta primeira investida de uma nova IP não tem a mesma aposta.

Há o elemento sobrenatural apenas na trama, porém não existe nenhuma influência disso na jogabilidade. Swann não tem qualquer habilidade especial. O que talvez seja um pouco decepcionante, pois enquanto no universo de Life is Strange o despertar das habilidades permitem que seus protagonistas vejam o que não estão enxergando em seus mundos, o mesmo não ocorre aqui, com Lost Records.

Não significa que não haja um elemento inédito para ser explorado, contudo, ele apenas não é sobrenatural. Ao menos, por enquanto. Neste caso estou me referindo a filmadora de Swann. Ao longo de toda a primeira fita, o jogador pode observar o mundo por meio de sua filmadora, gravando pequenos momentos, que somados criam uma coleção de colecionáveis, a qual Swann narrará um pouco mais a respeito dos elementos gravados.

Swann irá gravar animais, ambientes, grafites, suas amigas e situações chaves da história. Após certos números destes eventos, reunidos em suas coleções temáticas, uma animação é criada, justamente com a protagonista dizendo um pouco mais a respeito do tema proposto. Sempre que o jogo abre para explorar um local, abrir a tela da câmera fará parte dessa experiência.

Tirando essa mecânica, as demais ações presentes em Lost Records: Bloom & Rage são bem comuns aos gênero. Andar, conversar, observar conversas e tomar decisões em certos diálogos e situações, como alguns de confronto.

Um aspecto que gostei muito, de como foi idealizado aqui, é que cada segmento narrativo tem um ícone bem claro da ação definitiva, que indica que a história irá avançar se o jogador prosseguir. Isso não cria aquela dúvida de onde interagir ou quem conversar, com medo da narrativa dar continuidade antes de toda a exploração opcional ser realizada. Nem todo jogo de narrativa trás esse tipo de esclarecimento, então achei bem legal esse tipo de atenção aqui.

Considerações (por enquanto)

É difícil analisar Lost Records: Bloom & Rage como uma experiência completa, sem saber exatamente o que a trama fará no segundo episódio que será lançado em abril. Este primeiro episódio soa como uma grande conclusão para algo maior, mas são poucas pistas para o que esperar, o que pode criar expectativas erradas.

No conceito de apresentar um sucessor espiritual de Life is Strange, agora sobre o controle do próprio estúdio e seus criadores, Lost Records demonstra um potencial interessante, mas não consegue impressionar tanto quanto a aventura original da IP pertencente a Square Enix. E tudo bem, pois até mesmo jogos com conceitos de história derivadas do universo de Life is Strange tem seus altos e baixos.

A sensação que tive jogando essa primeira parte é que a narrativa do jogo não tem um senso de urgência. Não há um grande risco, uma terrível tragédia ou um ponto sem volta para as personagens, e quando esse elemento surge, o episódio acaba. Existe um enorme mistério sobrenatural, que conecta o passado com o presente da trama, mas nada é desenvolvido aqui, o que torna a história morna.

Isso me deixa na dúvida se foi realmente uma boa decisão a divisão dos capítulos nesta fase de lançamento. Se o segundo episódio não está sendo vendido a parte, se sai daqui um mês e meio… será que faz sentido esperar tanto? Não sei se é um modelo que ainda se sustenta. Esperar até abril parece tempo demais, há tantos outros lançamentos grandes até lá. Parece dividir a atenção de uma forma desnecessária.

No que diz respeito as mecânicas e jogabilidade, também senti que Lost Records: Bloom & Rage joga um pouco confortável. Exploração e interação sem nenhum elemento fora do esperado, e sem nenhum poder sobrenatural dado ao protagonista, o elemento de filmar e gravar elementos que se tornam parte da história e dos colecionáveis é uma forma segura de alongar um pouco o tempo da experiência de jogo.

Até mesmo os conflitos neste capítulo inicial são escassos. Há basicamente dois grande embates sociais presentes na trama, sendo que ambos são bem tensos e bem idealizados, mas sem olhar além destes dois momentos, todas as demais linhas de diálogos e escolhas de decisão não parecem causar grande impacto narrativo. É mais sobre quem das três garotas será mais ou menos amiga de Swann. Não senti muitos arrependimentos em minhas escolhas. E olha que alguns casos forcei a barra para ver se sairia algum elemento inesperado dessa história, como o desafio de dizer 13 vezes certas palavras num banheiro escuro no meio do mato.

Por outro lado, gostei do jogo misturar a perspectiva entre terceira pessoa (em 1995) com o elemento da primeira pessoa no presente, com a protagonista já adulta, sem que seja possível ver seu rosto. Dá a sensação de que o jogo está escondendo algo, fora a sensação diferente da fórmula aqui sendo apresentada em primeira pessoa. Não sei se gostaria de que tudo fosse em primeira pessoa, mas mesclar ambos as percepções de câmera funciona dentro do mistério apresentado.

Em aspectos mais técnicos, Lost Records: Bloom & Rage visualmente é bonito, mas não chega a ser impecável. Jogando a aventura no PlayStation 5, houve diversos momentos em que texturas e gráficos foram carregados em uma cena já em andamento. Contudo, não presenciei nenhuma queda na taxa de quadros ou situações do jogo crashar e desligar. Nem sempre os NPCs se comportam de forma natural, mas existem muitas cutscenes com expressões faciais que impressionam pela nuance de como a face das personagens se mexe, especialmente em tomadas com a jovem Swann.

A trilha sonora tem boas canções, mas só umas duas causaram um impacto durante minhas sessões ao longo deste primeiro capítulo. Muitas cenas em que Swann senta para admirar a paisagem, onde o jogador espera ouvir o pensamento da personagem, não houve uma canção que me prendeu. Senti que a trilha sonora não estava tão impecável quanto nos jogos de Life is Strange, tanto da época da Don’t Nod, quanto do atual estúdio.

Quanto as personagens, admito que me solidarizei bastante com a Swann, achei uma personagem super bem construida, de suas emoções, atitudes e falas. É uma personagem muito bacana, mas as vezes não soa marcante ou forte como Max Caufield no primeiro Life is Strange. Acho que Swann tem algo a se provar ainda.

As demais garotas, senti que Kat parece ser a personagem mais complexa do grupo, e de longe é a que mais parece interessante olhando todos os aspectos gerais, e não apenas o umbigo de sua personalidade. O jogo torna fácil querer se importar com ela. Nora, por outro lado, é mais porra louca, contudo, acho que a personagem tem mais além dessa sua faceta externa. Espero que o segundo capítulo trabalhe mais tal aspecto de sua personalidade. Autumn é uma personagem mais neutra, que não teve muito a acrescentar no momento, servindo muitas vezes como esse contra senso entre as demais garotas.

Além disso, boa parte da trama ocorre apenas entre estes quatro personagens. Sinto que faz uma certa falta a presença de mais personagens, entre familiares, colegas de escola, e demais relações sociais. Justamente para ver o contra ponto das jovens com os demais personagens que estão presentes na cidade. Tais ausências esvaziam um pouco o universo da narrativa.

Dito tudo isso, por enquanto, Lost Records: Bloom & Rage Tape 1: Bloom, é uma experiência claramente incompleta. Que chega para nos dizer que a Don’t Nod ainda tem o dedo para construir personagens, mistérios e tramas intrigantes, mas talvez a execução do formato ainda precise ser repensado. A protagonista é complexa, interessante, e acima de tudo, soa crível e real, indo muito além de um mero boneco de ficção. Isso faz com que o jogador se importe com ela.

A jogabilidade, talvez esse seja o aspecto mais sem tempero. As decisões que precisam ser tomadas aqui não causam grande impacto ou dilema. A exploração, que se esforça para soar bacana com o conceito de filmar elementos espalhados pelo cenário quase empolga, mas não tanto quanto poderes sobrenaturais ou as consequências de personagens com habilidades. É muito mais observação e explorações, o que diminui um pouco o impacto narrativo, ou ao menos a percepção que poderes dão dentro dessa fórmula conhecida.

No mais, mal posso esperar para o lançamento da Tape 2: Rage no próximo dia 15 de abril. Aí sim terei minhas conclusões definitivas para Lost Records: Bloom & Rage.

Galeria

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Dando nota

Trama tem um início bem lento, mas é repleta de elementos que instigam a querer saber mais o que acontecerá a seguir - 8
Jogabilidade não inova e segue o básico do gênero, ainda que apresente a ideia da filmadora - 7
Poucas situações de dilemas e confrontos, o que não gera uma tensão esperada do gênero - 7
Elemento sobrenatural se apresenta de forma bem tímida neste capítulo de apresentação - 6.5
Pespectiva em primeira pessoa na trama do presente tem um bom impacto imersivo - 7.8
Swann é uma forte protagonista, suas amigas são interessantes, mas ainda precisam de maior aprofundamento - 7.5
Formato de lançar o jogo num pacote com dois capítulos saindo em datas distintas não convence - 6.5

7.2

Promissor

Lost Records: Bloom & Rage, Tape 1 é uma obra incompleta. Serve para apresentar esse novo universo, que é um sucessor espiritual feito pelos criadores de Life is Strange. Tem um início bem devagar, criando muitos mistérios que só serão solucionados em meados de abril. A jogabilidade segue uma fórmula já conhecida, mas o sobrenatural é mais auto contido, dando lugar a uma jogabilidade de filmar elementos de cenários, enquanto se constrói uma trama sobre um verão onde quatro amigas viveram algo que mudaram pra sempre suas vidas. Há muita responsabilidade para a parte final. Resta aguardar!

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